Conhecer o palco que já deslumbrou o mundo. Conhecer um diferente mundo em um castelo. Não, não é um castelo. É o Castelo. O Castelo de Versalhes.

Foi em um trem que para lá nós fomos em bela manhã de sol. Imaginei que logo ao sair da estação na cidade de Versalhes os glamourosos jardins do castelo estariam a minha frente. E o que vi foi apenas um enorme pátio, vazio ainda àquela época, e, ao longe, os paredões que formam as laterais da grande construção. Mas, ao contorná-los, à curta decepção inicial sucederam-se os suspiros gerados pelos encantos logo à entrada principal e o esperado deslumbramento se fez presente.
Em seu interior longo não foi o caminho para milhões de cristais cintilando no grande lustre da galeria dos espelhos ofuscarem minha visão. Aquele monumental lustre, bem como todos os demais, refletia, nesse tempo, a luz de lâmpadas incandescentes. Hoje devem ser leds, suponho.
Ao tempo da glória de Versalhes e dos reis que de lá ditavam ordens a meio-mundo, a iluminação provinha dos pavios acesos em velas de sebo. E lá, como em outros castelos que na Europa visitei, ainda se exibem recipientes onde incineradas eram ervas aromáticas a fim de amenizar o desagradável odor desprendido por aquela gordura que pelos ares evolava.
Imagine-se, também, o trabalho e o tempo que se despendia para remover toda aquela negra e pegajosa fuligem que, num repente, invadia cada canto e cada recanto daqueles rococós todos que as paredes enfeitam, que os móveis adornam.
Hoje admiramos um Versalhes já não mais com a glória e o poder da época de ouro de um Rei-Sol, mas um Versalhes limpo e luzidio, sem a negra e pegajosa fuligem do sebo das velas, sem o ar carregado com o nauseante odor espalhado pela gordura das velas.
Não foi apenas o grande lustre da descomunal galeria dos espelhos que em Versalhes me extasiou. São cativantes obras de arte que pelas paredes, tetos e abóbodas artistas plásticos deixaram com suas tintas e seus pincéis.

E os jardins … um sem fim de alamedas extasiantes com o verde das sebes, o colorido das flores e o fulgurante espetáculo das fontes com águas dançantes ao ritmo de melodias que me elevaram para além das mais longínquas nuvens.
Os lindos jardins para serem admirados ao rés do chão. Os lindos jardins para serem admirados do alto de um terraço. Do alto de um terraço de onde se pode descortiná-los quase como um todo … porque a mim me parecia que eles se perpetuavam e se perdiam por um horizonte sem fim.
Tanta coisa a se ver em Paris, tanta coisa a se ver na França, a se ver no mundo … e os ponteiros não param, o tempo não cessa, o tempo não espera. Estático é apenas o sonho onde permanecer se pode …
De Versalhes retornamos ao nosso acampamento em Joinville. Imperioso era nos prepararmos para um grandioso tour. Meu colega Alberto reservara uma limusine de turismo que nos levaria primeiramente para um giro pela cidade-luz deslizando por ruas, avenidas, bosques e jardins por onde nossos pés ainda não nos haviam levado, para olhar imagens outras que os nossos olhos ainda não haviam vislumbrado.

Com infinita paciência o nosso jovem motorista-guia nos levou para outros êxtases em outros jardins. Deleitamo-nos no de Luxemburgo para, bem perto das flores, aspirarmos o perfume que delas emanava. Porque lá estavam as lavandas que na Provence os espaços invadem … As lavandas com seu aroma aprisionado em milhões de frascos que desde séculos perfumam o mundo.
Os caminhos de que falo não seguem uma rota sequencial. Meus caminhos são caminhos aleatórios para onde minhas lembranças me transportam. Minha memória voa e as visões vão surgindo entre as cortinas dos diferentes recantos que vi. E longos caminhos percorremos até chegarmos ao Bois de Bologne, local onde Santos Dumont realizou as experiências que culminaram com o voo de seu 14-Bis.
Passar por recantos que foram cenários de tantos amores reais, de tantos amores que o cinema nos mostrou, de tantas cenas horríveis e reais que os jornais dos cinemas nos mostraram nos tempos da guerra, da Segunda Grande Guerra Mundial.
Ver uma orquestra em pleno início de tarde a extasiar uma silenciosa multidão a ouvir, de Chopin, o Estudo Revolucionário, a música com a qual conclamou o mundo para derrubar a tirania que a sua terra natal, a Polônia, dominava.
Ver o Quartier Latin com a Sorbonne, onde Fernando Henrique Cardoso, quando exilado durante a ditadura militar, foi professor.

Ver a Ópera Garnier e o Arco do Carrossel, a Île de la Cité e a praça Vendôme rodeada de hotéis de luxo e finas joalherias, o Palácio dos Inválidos e o Quartier Saint-Germain.
Nosso passeio através das águas do Sena estava programado para bem mais tarde e havia tempo suficiente para um giro pelas Galeries Lafayette. Porque algumas compras precisávamos fazer!
Um edifício central com estilo arquitetônico dos fins do século XIX, contagiante estilo que nos leva a passear dentro de melindrosas épocas. Um grande magazine e seus corredores circulares com fino gosto decorados dando para o grande átrio central e contornados por dourados corrimões. Um átrio encimado por uma abóboda em vitrais coloridos. Quase tudo o que, anos mais tarde quando lá estive outras vezes quase não consegui ver. Porque atravancados de mercadorias ficaram os espaços, ficaram as passagens. Porque, inundada de barraquinhas, com tudo o que se pode querer comprar, está todo o seu entorno, cobrindo as calçadas e quase avançando para as ruas adjacentes.
E então chegada era a hora de nossas compras findar. Deveríamos tomar o último bateau-mouche enquanto a luz do dia permitisse a visão das margens.
O nosso jovem motorista-guia a postos em sua limusine nos levou então para o embarcadouro perto da Torre Eiffel. Anos mais tarde fiz este passeio à noite, quando, então, os barcos eram providos de grandes holofotes que iluminando iam os edifícios margeantes do famoso rio.
E, dentro do barco eu fui, aos suspiros, vendo desfilar ora à margem direita, ora à margem esquerda um sem fim de históricos monumentos e construções.
Nada do que eu diga ou escreva sobre Paris ou de qualquer outra cidade do mundo onde eu tivesse estado jamais será igual às imagens e emoções de quem por lá também já tenha andado.
E nada do que eu escreva ou fale pode se igualar, também, ao que encontramos hoje ao pesquisarmos os sítios carregados de informações que estão na internet.
Porque eu falo apenas das minhas sensações ao percorrer, pela vez primeira, o velho mundo tão contado em tantas histórias e tão cantado em tantos serões desde os mais remotos dias de minha infância.

E foi assim, carregada de emoções, que as pontes todas sobre o Sena eu vi. Foi assim que do meio do rio eu vi a Torre Eiffel, o Palácio de Chaillot, o obelisco de La Concorde, a Academia Francesa, o Museu d’Orsay, o majestoso Paço Municipal de Paris, entre tantas outras vedetes da arquitetura francesa.
Muitas emoções esta nossa última noite de Paris nos reservava. Ainda com as imagens da rive-droite e da rive gauche do Sena na cabeça nós nos acomodamos na calçada de um restaurante na Avenida Champs Elisée, bem ao lado do Lido onde mais tarde a um espetáculo de gala assistiríamos.