Ele foi Médico, Amigo e Pai de todo um povo…

Adair Dittrich fala sobre o médico Haroldo Ferreira  

                                                                                                                   

Passamos por tantas pessoas enquanto as avenidas do mundo trilhamos. E tantas outras por entre nós emaranham-se, cruzam-se… Ou apenas passam. Muitas vezes à frente, às vezes ao lado. E, por demais vezes, ao encalço de tantas outras estivemos.

 

 

Este passar pelos outros, este passar em torno dos outros representa-me como se nas janelas de um veículo qualquer em movimento eu estivesse e a paisagem, pelos longes, delineando-se desfilasse.

 

 

Quantas paradas pelo caminho para melhor apreciar uma colina, para melhor ouvir o murmúrio das águas cascateando em um riacho, para melhor sentir o perfume que emana das flores de tantos arvoredos em todas as primaveras.

 

 

E eu teria tanto a contar de tantas e de tantos que por mim passaram e pelos quais passei…

 

 

Mas, falar sobre alguém e sobre a vida de alguém não é aquela mesma coisa, imaginária, muitas vezes, que eu, em inconsequentes e incoerentes rabiscos pelos papéis vou deixando.

 

 

Hoje, quando um amigo me pediu para que de seu pai eu falasse, ou melhor, escrevesse, quase um susto levei.

 

 

Não, o meu amigo não pediu um pequeno texto. Uma biografia pediu-me. Não poucas palavras jogadas a esmo, aqui, como agora estou fazendo. Não, o meu amigo quer que eu conte a história de uma vida. A história da vida de seu pai.

 

 

O olhar de meu amigo foi tão suplicante. As mãos de meu amigo, primeiramente em minhas mãos, e depois, com vagar, em meus ombros, eram mãos pedintes, trêmulas de ansiedade.

 

 

Frente às minhas primeiras fracas tentativas de apenas um não balbuciado sair, eu me vi dizendo um sim. E mais eu me vi fazendo e dizendo. Combinamos já o início de serões com a família para elaborarmos os preâmbulos desta empreitada.

 

 

Depois de encerrar as narrativas daquela minha inesquecível primeira viagem à Europa estava eu sem norte, sem rumo, sem ponto e sem porto, sem ideia sobre o que teria para escrever nesta nossa última semana de inverno. E então, quando fiquei a pensar sobre a vida de uma tão maravilhosa pessoa que por nossas vidas passou decidi que algo sobre ela já vou alinhavando aqui.

 

 

É amigo Haroldinho, após a nossa conversa eu voltei para casa cismando sobre o seu pedido. Cismando pelo emocionado sim que, meio sem saber como, eu respondi.

 

 

Porque não será fácil falar sobre Haroldo Ferreira.

 

 

Sobre alguém de quem tanto se tem a contar.

 

 

Como chegar às alturas onde flanava o seu ser e a sua sabedoria? Porque Haroldo Ferreira não discorria apenas sobre a ciência e a arte médica da qual foi exímio protagonista. Haroldo Ferreira navegava pela história e pela geografia do mundo como se por todos os seus meandros navegado tivesse.

 

 

Filósofo profundo não aprendeu esta arte apenas em passar pela vida. Possuía uma vasta, variada e especial biblioteca. Dissertava sobre qualquer assunto. Ao responder sobre qualquer pergunta a ele dirigida recebia-se em troca uma aula. De vida. Sabia até da cor do orvalho de cada manhã e qual era a melhor época de se catar o pinhão ou de se plantar o trigo.

 

 

Ouvira dele falar quando ainda estudante eu era em Curitiba. Foi de Aline, minha irmã mais velha, que ouvi os primeiros elogios sobre um novo médico, aqui instalado, que de outras plagas viera, para chefiar o nosso 5° Distrito Sanitário. O então 5º Distrito Sanitário que nós conhecíamos como Centro de Saúde e que hoje vocês conhecem como Clínica da Mulher e da Criança de Canoinhas.

 

 

Sei que com sua verve humorística, com seu estilo em atender as pessoas que o procuravam, tornaram-no uma figura popular e histórica.

 

 

Quando no Centro de Saúde eu vim trabalhar Haroldo Ferreira em Florianópolis morando se encontrava exercendo seu mandato de Deputado Estadual.

 

 

Mas, as paredes daquele local onde ele tanta gente atendeu dele estavam impregnadas. As pessoas que lá exerciam seu mister, sobre o modo dele assistir aos pacientes não cansavam de falar.

 

 

Lembro-me de duas senhoras, de cabelos esbranquiçados já, que lá, como atendentes de saúde trabalhavam. Dona Anita Buss e Dona Branca. Entusiasmadas lembravam-se e contavam das coisas e dos fatos que em torno do Dr. Haroldo aconteciam.

 

 

Ele residia e tinha o seu consultório a apenas um quarteirão de onde se situava o Centro de Saúde. E as pessoas que com ele precisavam consultar ou apenas conversar não o esperavam no ambulatório público. Aguardavam-no, já de manhã bem cedinho, às portas de sua residência, de sua clínica particular.

 

 

E, entusiasmada Dona Branca completava:

 

 

“Como era lindo de se ver. Parecia uma passeata, uma procissão em todas as manhãs. Saía Dr. Haroldo de casa, sempre a pé com aquele povo todo a rodeá-lo e pela rua toda, o acompanhava até aqui.

 

 

E aqui ele se deixava ficar, por horas e horas, até acabar de atender, com desvelo e dedicação, a todas aquelas pessoas.”

 

 

Histórias contadas assim muitas eu ouvi sobre esta personalidade ímpar que aqui prefeito foi também.

 

 

Tenho certeza que muitos serão os serões, ao pé do fogo ou sob as frondosas araucárias do Sítio do Tererê, com meu amigo Haroldo Filho e minha amiga Regina e com muitos outros amigos mais que com Haroldo Ferreira a vida partilharam, para que possamos chegar, pelo menos, perto do que ele foi e representou para nossa terra e nossa gente.

 

 

Pois é, pessoas há que são o destaque na paisagem e em nossa retina indeléveis marcas vão impregnando.

 

 

Haroldo Ferreira foi o autor e intérprete de incontáveis e infinitos panoramas vislumbrados através das amplas janelas de um múltiplo viver.

 

 

*Publicado originalmente em setembro de 2016

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