A importância de um processo eleitoral seja em âmbito nacional, estadual, ou municipal se apresenta como momento de intenso debate em torno das bases do contrato social
Sandro Luiz Bazzanella*
Prezado leitor, no dia 26 de agosto publicamos artigo aqui no JMais intitulado “Eleições 2018: sem contrato social, “sem voto”, em que apresentávamos a ausência de um contrato social que funda a sociedade brasileira e, por decorrência suas instituições. Tal condição caracteriza entre outras possibilidades o viés autoritário da sociedade brasileira conformada por corporações que disputam o Estado como forma de manutenção de privilégios, bem como dificulta a constituição de uma unidade social que possa conformar uma proposta civilizatória consistente.
Se historicamente não conseguimos avançar na tessitura de um contrato social que congregue de forma adequada a diversidade étnica, social, cultural e econômica espraiada na dimensão continental do território nacional, tudo indica que não será nesta eleição que avançaremos significativamente nesta tarefa.
A importância de um processo eleitoral seja em âmbito nacional, estadual, ou municipal se apresenta como momento de intenso debate em torno das bases do contrato social necessário à constituição de um Estado capaz de promover as condições políticas e econômicas necessárias ao desenvolvimento social. Eleições são momentos estratégicos de escolha de uma concepção de Estado, que promova serviços públicos de qualidade, bem como afirme a garantia da propriedade, da segurança, a autonomia dos indivíduos e, sobretudo a igualdade de condições como ponto de partida em função do desenvolvimento social de médio e longo prazo.
Mas, ao que tudo indica não será na eleição deste ano que avançaremos na afirmação de um contrato social. Ao que parece trata-se nestas eleições de uma penosa transição (sem uma luz no fim do túnel) em que o que está em jogo é salvar as bases da democracia construída a duras penas a partir do processo de redemocratização do país iniciado a partir de 1985 (séc. XX) com a saída dos militares do poder. A democracia representativa característica das sociedades e estados modernos depende da consistência das instituições que compõe as diversas esferas de representação social e estatal. Uma das instituições fundamentais na afirmação da democracia representativa são os partidos políticos.
Partidos políticos com concepção de estado e programa de políticas públicas definidas são fundamentais para a democracia representativa. Ao longo dos anos 90 do século XX até as eleições de 2014 dois partidos polarizaram o debate político na cena nacional. Por um lado o PSDB com sua proposta de estado marcadamente regulatório e, por outro lado o PT com sua proposta administrativa alicerçada no protagonismo do Estado nas esferas social e econômica. Os demais partidos políticos satelizavam estas duas concepções que se confrontavam nos processos eleitorais. A crise política, econômica e institucional desencadeada a partir de 2015, marcada pelo protagonismo da aliança entre judiciário, meios de comunicação e opinião pública lançaram em profunda crise os partidos políticos. Ressalte-se que uma democracia sem instituições representativas suficientes (partidos políticos) corre o risco de transformar-se em tirania da opinião pública.
Diante deste quadro, estamos em meio ao processo eleitoral que possui as seguintes características: a. 13 candidatos aglutinando 30 partidos das mais diversas tendências, se é que se possa reconhecer em boa parte destes partidos alguma tendência, ou concepção de estado. Tudo indica que se trata de composições com vistas à sobrevivência destas legendas por meio das eleições de deputados e senadores. A composição em torno de candidatos com maiores chances nas urnas também está vinculado a recompensas na forma de cargos na máquina pública. O famoso balcão de negócios pós-eleição como condição da governabilidade do presidente, ou governador eleito. São estes os candidatos e suas composições partidárias: Álvaro Dias (Podemos, PSC, PRP, PTC); Cabo Daciolo (Patriota); Ciro Gomes (PDT, Avante); Geraldo Alckmin (PSDB, PP, PTB, PSD, SD, PRB, DEM, PPS, PR); Guilherme Boulos (PSOL, PCB); Henrique Meirelles (MDB, PHS); Jair Bolsonaro (PSL, PRTB); João Amoedo (NOVO); João Goulart Filho (PPL); José Maria Eymael (DC); Fernando Haddad (PT, PROS, PCdoB); Marina Silva (REDE, PV); Vera Lúcia (PSTU). É impossível a um cidadão em sua cotidianidade conhecer as bases ideológicas e programáticas desta miríade de partidos. b. Campanhas personalistas. Com a crise generalizada dos partidos os candidatos se apresentam desvinculados de seus partidos. Suas propostas de campanha apresentam-se desconectadas de programas políticos gestados pelo partido. c. Financiamento público e privado (pessoa física) de campanha. Candidatos cujos partidos possuem maiores bancadas no congresso e senado, alcançam maior soma de recursos públicos. Ainda nesta direção, candidaturas com maior poder de atração alcançam recursos privados consideráveis. d. Seguindo a lógica das maiores bancadas no congresso também o tempo de rádio e televisão para propaganda eleitoral gratuita torna-se desproporcional em sua distribuição. e.Tempo reduzido de campanha aprovado pela mini-reforma eleitoral em 2017, com a justificativa da diminuição dos custos. Nesta topografia eleitoral não há espaço e condições adequadas para o debate. Tudo indica que estamos diante de uma democracia de massas em que a opinião pública e o cumprimento da obrigação do voto são as exigências determinantes.
Neste contexto, a complexidade destas eleições se intensifica ainda mais por ser “mais” uma eleição conjugada para o legislativo e para o executivo estadual e federal. O eleitor terá que escolher e, se conseguir votar em 5 candidatos na seguinte ordem: a) Para três candidatos ao legislativo: Deputado Estadual, Deputado Federal e Senado; b) Para dois candidatos ao executivo: Governador e Presidente da República. Como nossa tradição política enfatiza a eleição para o executivo federal (presidente da república), as eleições para Deputado Estadual, Federal e Senado ficam em segundo plano. Isto também vale para a eleição ao executivo estadual (governador).
Estas são algumas das variáveis que conferem sustentabilidade ao argumento de que nestas eleições, o tempo e o espaço necessários para o debate em torno de concepções de estado e, de um contrato social que possa conferir sustentabilidade e legitimidade a nossa frágil democracia representativa não se apresenta. O processo eleitoral em curso se constitui como uma cena dantesca de luta pela sobrevivência de partidos e candidatos. Neste cenário há espaço para radicalizações, para propostas messiânicas de salvação nacional, para propostas advindas dos fundos de investimentos, dos rentistas, que especulam com a divida pública interna, com os temores do mercado, entre tantas outras variáveis.
Talvez seja importante dizer (não menosprezando a inteligência do cidadão, do eleitor) que este cenário caótico pode ser compreendido sob duas perspectivas, não as únicas evidentemente. Na primeira, alinhada com os pressupostos de uma sociedade marcada pelo autoritarismo vigente em suas origens, desigual e xenófoba. Uma sociedade conformada por elites locais, regionais e nacionais e que viram no caos a oportunidade da reeleição de seus representantes nas câmaras dos deputados estaduais, federais e no senado, bem como aglutinar seus interesses e retomar o controle do Estado como instrumento de salvaguarda de interesses privados. Na segunda perspectiva, o fato de estarmos encerrando um ciclo de governos, de concepções de estado e de desenvolvimento iniciado com a redemocratização em 1985, mas desprovidos de um projeto estratégico de desenvolvimento a médio e em longo prazo. Esta é uma das características mais marcantes da sociedade brasileira: seus curtos ciclos de desenvolvimento seguidos da derrocada do modelo e de profundas crises institucionais que exigem décadas de recomposição. O fato determinante é que não figura na pauta destas eleições o profundo e urgente debate em torno do contrato social, garantia de desenvolvimento social, político, econômico e cultural nacional. E a vida continua desgraçadamente precária em terras tupiniquins.
*Sandro Luiz Bazzanella é professor de Filosofia