Até mesmo resíduos considerados tóxicos passam por cuidadoso processo de queima
O DESTINO DO NOSSO LIXO
Quando era editor do jornal Correio do Norte, fiz uma série de três reportagens sobre O Destino do Nosso Lixo. Como o próprio nome deixa claro, a ideia era de mostrar passo a passo como o lixo sai dos lares canoinhenses e que fim toma. Descobri que nosso lixo – ainda hoje é assim – é recolhido pela empresa Serrana, que deposita tudo o que se produz de lixo orgânico em um aterro localizado no acesso a Mafra pela BR-116. A Serrana administra a coleta de lixo de várias cidades catarinenses.

Quando fiz a reportagem, tudo ia para o aterro, que, trocando em miúdos, depois de um processo de compostagem e compactação, enterra literalmente o lixo. Hoje, há coleta seletiva em Canoinhas. O lixo reciclável é enviado para uma cooperativa de catadores que funciona no Campo d’Água Verde. Quer dizer, em partes. E aí começa o primeiro obstáculo a nos deixar no chinelo perto da Alemanha. Vários desertores da cooperativa – alguns não quiseram nem saber de se cooperar – não só ignoram a existência da associação, como atrapalham o trabalho dela e dificultam o trânsito em Canoinhas. Na trilha do caminhão da cooperativa, os chamados carroceiros madrugam para recolher o “filézinho”. Recolhem sem qualquer cerimônia o que é mais fácil e rende mais. Quando o caminhão da cooperativa passa só resta o refugo. Ciente disso, o prefeito Beto Passos (PSD) sancionou lei estabelecendo regras para os carroceiros como condições mínimas de segurança. Passados os 180 dias para regulamentar a lei, até agora nada. Aí entra um segundo ponto a nos deixar envergonhados diante dos alemães. A condescendência com que os gestores toleram o cidadão infrator de regras que poderiam tornar a cidade melhor para a coletividade.

Para chegarmos a algo semelhante ao que vimos nesta terça, 25, aqui em Essen, teria de começar a resolver essa questão dos carroceiros. O resto é um desafio ainda maior, mas que vale a pena ser encarado.

Aqui, o lixo é um negócio, e dos bons. Fruto de uma parceria público-privada, a Entsorgungsbetriebe (EBE) mostra que tratar o lixo vai muito além de recolher o que os moradores da cidade descartam. Começa nas escolas, com programas de conscientização ambiental. Eles acreditam, e com absoluta razão, que as crianças são os maiores influenciadores para mudar os costumes das famílias em relação aos resíduos que produzem. Lembrou do Projeto Aprendendo com a Árvore (Paca) da WestRock? Pois é, o caminho já temos. Os adultos não ficam de fora. Um setor de marketing trabalha campanhas constantes de conscientização ambiental. “Só funciona se for muito bem alinhado à população”, afirmou a palestrante, funcionária da EBE, Bettina Hellenkamp.

Tratar o lixo, aqui, não começa pela coleta, mas sim, por evitá-lo. Antes de descartar qualquer coisa, a pergunta que se faz é a seguinte: é possível reutilizar? Pois então, que se reutilize. Exemplo claro é das garrafinhas de plástico e vidro usadas para envazar água mineral. Na embalagem já está discriminado o valor que o cidadão vai receber se devolver a garrafa. Em média, 25 centavos de euro (R$ 1,09) por garrafa. Não tem quem não se convença de que é um bom negócio devolver a garrafa e ganhar o crédito para comprar outra.

Nos supermercados daqui, assim que as pessoas passam pelo caixa descartam as embalagens como de caixas de cerveja em um depósito cuja responsabilidade por encaminhar para a reciclagem é da loja ou do supermercado. Sacolas plásticas? Quer, compre! Sacolas de tecido são distribuídas gratuitamente pela EBE para que as pessoas possam utilizá-las no supermercado, na padaria, enfim. É um costume levar sua própria sacola ao supermercado.

A reciclagem é o carro chefe da EBE. Resíduos orgânicos, lixo industrial, hospitalar, enfim, todo o restante é simplesmente queimado. Mas e a poluição ambiental? Não existe. Os alemães desenvolveram filtros poderosos que seguram a fumaça contaminada. A energia gerada pela queima é usada pela própria empresa. Parece até boi, nada se perde. Logo eles nem chamam de lixo, mas sim de resíduos. Lixo, afinal, não vale nada.

Substituir áreas a perder de vista inutilizados pelos aterros sanitários por incineradores parece um bom negócio? E é. Mas porque os municípios brasileiros não se interessam? Mistério.
Aí você pode dizer, bacana, mas isso é na Europa, primeiro mundo e tal. Gostei dessa visita justamente porque a palestrante admitiu que nem tudo são flores. Aqui, assim como em Canoinhas e qualquer lugar do mundo, tem os que remam contra a maré e preferem jogar lixo em terrenos baldios ou até mesmo na beira da rua. Se for pego paga multa, mas é difícil o flagrante. Fazer o que então? Não há mágica, simplesmente a EBE roda com três caminhões de coleta o dia todo pela cidade em busca do lixo que não está no depósito adequado.
Os executivos das empresas de coleta de lixo devem estar se remexendo na cadeira ao ler isso. Imagine, que absurdo, pagar salários e diesel para três caminhões rodarem a esmo o dia todo! É possível, desde que o lixo dê lucro, como dá em Essen. Aqui não existe o pagamento anual por meio do IPTU. O cidadão paga mensalmente pela coleta de lixo e é sua obrigação fazer a separação correta. Não existe carroceiro atravessando o negócio e a população se conscientizou de que ela precisa fazer sua parte se quer uma cidade melhor. Logo, as receitas pagam as despesas e ainda dá lucro, senão, claro, não teria iniciativa privada no meio.
CENTRO DE EVENTOS
Pela manhã visitamos um Centro de Eventos com 103 mil metros quadrados em Essen. Pasmem, pertence à prefeitura. Aqui acontecem algumas das maiores feiras de negócios do mundo. Daniela Mühlen, assessora de marketing, uma típica alemã tão rara nestes dias aqui em Essen, que nos recebeu em uma sala ampla e toda envidraçada, que faz parte da ampla reforma (eu diria reconstrução) do Centro que existe há 106 anos. A modernização do prédio foi necessária porque os clientes vinham reclamando. A empresa é pública, mas a conscientização de mercado e concorrência existe. Nenhum funcionário se acomoda porque no aperto a prefeitura paga as contas. Resultado: o centro se paga.

O que deixou todos boquiabertos na visita foi a informação que a obra de reforma vai terminar antes do previsto e com custo mais baixo do que o previsto. O sistema de contratação da empresa que fez a obra, ainda em fase de conclusão, foi licitação pública, assim como se faz no Brasil. Surreal para nós, não?

Um conselho administra o centro de eventos, mas a palavra final é do prefeito. O centro recebe cerca de 50 feiras de grande porte por ano. Duzentas pessoas trabalham aqui. No ano passado 1,3 milhão de pessoas passaram pelos salões do centro, vindas de 140 países. É bom lembrar que Essen sedia seis das 50 maiores empresas da Alemanha. O complexo fatura 60 milhões de euros por ano (cerca de R$ 260 milhões).

No centro, planejamento, palavra que não sai da cabeça de ninguém aqui em Essen, é a senha. Para se ter uma ideia, eventos planejados para daqui a 10 anos já tem reserva confirmada.

Dá lucro? Se não, ao menos fica no zero a zero entre custos e despesas, afirma Daniela.

Certamente que a ideia do centro não se aplica a Canoinhas, por exemplo. Porém, precisamos deixar de lado o complexo de vira-latas, ou melhor, da cidade do latinha, para nos tornar uma cidade que prospecta o futuro. Já somos um polo regional. O fato de Bela Vista do Toldo ter um centro de eventos e Canoinhas não diz muito sobre a oportunidade que estamos perdendo, pelo menos para os moldes regionais.

O calor ontem foi impiedoso, mas demos sorte e frequentamos apenas ambientes climatizados. Hoje, dizem, será ainda mais quente. A ver, ou melhor, sentir.