Em Paris os perfumes e a Alta Costura

Leia nova coluna de Adair Dittrich                                                                                                             

Não foi a bordo de um TGV, o trem de alta velocidade francês que viajamos de Genebra a Paris. O nosso Europass era destinado apenas aos trens comuns. Que sobre os trilhos quase voavam também. Mas, para uma viagem noturna, como seria a nossa, diferença não faria.

Amanhecia quando os arredores de Paris despontavam. Movimento intenso na gare de nosso desembarque. Aquela sensação de desconforto e de abandono pelo fato de não haver ninguém a nossa espera suplantou a que havíamos sentido ao desembarcarmos do trem em Genebra. Porque a lembrança de meus primeiros dias em Paris algumas semanas atrás com nossos amigos de Ahrweiller desenhava-se a minha frente. Porque o tumulto, a movimentação, o borborigmo com tamanha intensidade a ressoar fazia com que o meu eu uma insignificante molécula de poeira se tornasse.

Rue_du_Faubourg_St_Honore_dsc00792E lá fomos nós em busca de um escritório de turismo para um hotel reservarmos. Como sempre saímos com um mapa na mão. Seguindo à risca as instruções recebidas logo encontramos a estação onde deveríamos tomar o metrô que nos deixaria nas cercanias do hotel que escolhêramos. Malas e mochilas bem amarradas nos carrinhos iam por nós sendo puxadas por todo aquele subterrâneo labirinto sem fim de escadas e esteiras rolantes. Mas algo mais eu carregava, solenemente, comigo. Uma sacola especial com chapéus. Chapéus que eu fora adquirindo pelos cantos por onde andara. Chapéus que não poderiam ser socados dentro de uma mala. Da Itália vieram três. Um de Capri, outro de Florença e mais um em estilo gondoleiro que eu comprara em Veneza. Para completar a coleção o branco chapéu tirolês que comigo vinha desde Innsbruck, na Áustria.

Logo que saímos dos subterrâneos de Paris necessário foi andarmos apenas alguns metros e eis que a nossa frente surge o nosso hotel. Sorte havermos tomado o café da manhã ainda no carro-restaurante do trem em que viéramos de Genebra. Porque, ao findarmos todo este cerimonial de em um hotel, finalmente, nos estabelecermos a manhã já estava a findar-se. Iniciamos, então, nossa peregrinação por novos espaços.

Galerias Lafayette
Galerias Lafayette

Quando eu me dei conta, depois de muito caminhar, estava com o belo edifício das Galerias Lafayette a minha frente. Onde se pode almoçar escolhendo dentre as mais variadas iguarias a que mais pode nos apetecer. São muitas tendas com os mais diferentes cardápios.

E foi lá, também que as compras de perfume tiveram o seu início. Adquirir na fonte o tão cobiçado perfume francês. Debruçar-se ante os balcões envidraçados de um Miss Dior que por uma vida já me acompanhava. Que minha marca registrada já era desde os meus tempos de faculdade … Embasbacar-se ante as vitrines espelhadas de um Chanel número 5, o pijama de Marilyn Monroe. E mais o Cabochard e o Givenchy em meio a outras tantas marcas já famosas e cobiçadas pelo universo feminino.

Resistir à vontade de rechear uma mala repleta com todos foi difícil. Porque eu queria todos. Queria pouco … Apenas um pequeno frasco de cada. Porque era um sonho que não poderia permanecer em sonho apenas.

Mas, uma outra visão aqueles balcões e vitrines espelhados me mostraram. Mostraram-me um cabelo necessitado urgentemente de algo mais que um simples banho com xampu a cada noite, que um simples passar de escova e pente a cada manhã. Lá mesmo encontrei um salão onde me acomodei por muito tempo enquanto mãos profissionais conseguiam fazer com que os meus cabelos e as unhas de minhas mãos mais apresentáveis se tornassem. Por longo tempo analisei a hipótese de me livrar, também, daquela grossa camada de hiperqueratose acumulada nas solas de meus pés durante a nossa peregrinação pela Europa. Desisti. Porque na memória tilintava ainda o incômodo dos primeiros dias de andanças sem fim. Agora que já, praticamente, uma sola de couro sob as plantas de cada um de meus pés havia, que lá continuassem por mais alguns dias.

Imprescindível não era apenas o mapa com o nome de ruas, mas o do Metrô também. E pelos subterrâneos de Paris nos deslocávamos em busca dos mais almejados endereços.

Champs Élysées
Champs Élysées

Não apenas o Arco do Triunfo, mas toda a Étoile, principalmente Champs Elisées, estavam a me chamar. E mais, talvez muito mais que a Champs Elisées a rua das deslumbrantes vitrines que por vários quarteirões se estendem era a que mais eu queria ver. Faubourg Saint Honoré, a rua onde se situam as Grands Maisons de Alta Costura.

Desde o início de nossas andanças pela Europa, em cada cidade por onde passávamos, minha amiga Jucy queria se deleitar diante das vitrines que mostravam os trajes da moda. Eu ficava aguardando que ela saciasse seu olhar, estática ao lado, enquanto estudava os arredores e os caminhos a seguir. Mas ali, naquele momento, era algo diferente, era algo inefável. Eu me encontrava ante o altar de uma das mais lindas artes. Era um desfile de arte. Era a arte da alta costura.

Eram vestes não só para serem olhadas de relance. Demorei-me uma eternidade em frente de cada uma das grandes casas de moda, deliciando-me em observar os talhes e os detalhes, os fru-frus e os bordados, os plissês e os pregueados, os franzidos e os drapeados, as rendas e os babados, os godês simples e também os ponches. E a deleitar-me fiquei com os feitios e os requintes dos cortes de cada vestido, de cada tailleur, de cada blusa, de cada saia, de cada conjunto, de cada terninho, de cada peça.

E mais que tudo eu me demorei querendo engolir com os olhos os longos vestidos de baile, os longos que se usam nas grandes cerimônias, os longos das festas a rigor.

Porque os estilistas que desenham e costuram estas peças são realmente artistas desta oitava arte. A arte da Alta Costura. Para a qual poucos nasceram, assim como poucos são os que para as demais artes nascem.

As sombras da tarde já estendiam seus longos braços quando em um café na Champs Elisées, quase ao lado do Lido, encontramos vaga em uma mesa. E lá ficamos a saborear os salgados petiscos franceses. Eu com um espumante caneco de cerveja de pressão e minha amiga com seu eterno copo de refrigerante. E ali ficamos deixando o tempo passar enquanto a nossa frente desfilava o mundo. Músicos e cantores exibindo sua arte. Palhaços em sua interminável brincadeira a imitar os passantes. Artistas outros com suas paletas e pincéis ou cartolinas e crayons oferecendo-se para imortalizar em telas ou gravuras o rosto de tantas e de tantos que por ali sentados ou vagando pelas calçadas estivessem.

A noite parisiense se estendia inteira a nossa frente. Era hora do retorno ao hotel. E de iniciar-se a devida produção para dela se desfrutar.

Porque Montmartre e, mais especificamente, a Place du Tertre estava a nossa espera.

 

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