O vídeo mostra que um dos criminosos já havia sido preso outras sete vezes por diversos crimes
Provocou polêmica a divulgação de um vídeo institucional da Polícia Militar de Santa Catarina na sexta-feira, 15, no qual imagens do circuito interno de um estabelecimento comercial de São José mostra dois assaltantes baleando o dono do estabelecimento, roubando dinheiro do caixa e fugindo. O comerciante foi alvejado no rosto, passou por uma cirurgia e não corre risco de morte.
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O vídeo mostra que um dos criminosos já havia sido preso outras sete vezes por diversos crimes. Assim como das outras vezes, o criminoso foi solto depois de preso em uma operação considerada arriscada pela Polícia Militar. A polêmica foi matéria de capa na edição de fim de semana do jornal Diário Catarinense.
O juiz Renato Guilherme Gomes Cunha, de São José, responsável por mandar soltar o criminoso, alegando que não houve flagrante, voltou atrás e decretou a prisão preventiva do rapaz. O magistrado também rebateu as críticas feitas pela corporação e oficiais.
A decisão do juiz sobre a prisão preventiva de Iago dos Santos foi divulgada neste sábado, 16, pela Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC). O documento tem duas páginas. Primeiro, o juiz lembra do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público (MP) e depois faz esclarecimentos do caso, tendo em vista ampla repercussão midiática, inclusive institucional, a respeito.
O juiz garante ser equivocada a informação da PM de que o acusado teria sido preso outras sete vezes anteriormente ao roubo em São José e que mais uma vez teria sido solto.
Cunha explica ainda porque não homologou a prisão em flagrante em razão do crime contra o comerciante: “O flagrante, na ocasião, foi relaxado porque ilegal, foi em completo desacordo com a lei, a quem todos devemos obediência, desde o preso, passando pela polícia e pelo Judiciário, chegando aos mais altos cargos da República e os donos das maiores fortunas do país, e cabe ao Judiciário a garantia que a lei seja respeitada”, escreveu.
Num segundo ponto, o juiz ressaltou que o suspeito mencionado nas redes sociais e no vídeo da PM está preso e não em razão do flagrante policial de agora ou por causa do alarde feito pelo vídeo institucional da corporação. Segundo o juiz, havia uma prisão temporária decretada por ele em maio do suspeito ainda antes do roubo ao comerciante. “Se o referido mandado tivesse sido cumprido em maio, aquele que está sendo apontado como autor deste gravíssimo crime nos meios sociais não estaria solto”, apontou.
NOTA PÚBLICA
Leia abaixo nota divulgada neste sábado pela Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC):
A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) vem externar profundo descontentamento com as recentes manifestações do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina que, por meio de vídeo institucional, declarações nas redes sociais, notas e entrevistas jornalísticas endereça insinuações e críticas à atuação do Poder Judiciário no âmbito da jurisdição criminal.
De pronto, lembra-se que, a partir de mandamentos contidos na Constituição da República, incumbe ao Estado o dever de promover e garantir segurança à Sociedade, sendo essa tarefa, então, distribuída entre os diversos Poderes e Órgãos Públicos.
Ao Poder Judiciário, por intermédio de seus Juízes e Tribunais, é estabelecida competência para processar e julgar eventuais infratores, além de acompanhar a execução das penalidades porventura aplicadas, tudo diante de legislação previamente posta, em que identificados os tipos penais (crimes e contravenções) e suas sanções, os procedimentos a serem observados na apuração dos fatos e a disciplina do respectivo cumprimento de pena.
E assim tem se pautado a Magistratura de Santa Catarina, sempre pronta a enfrentar as questões que lhes são trazidas e a rapidamente responder, aplicando as regras pertinentes a cada caso concreto, seja para decretar ou respaldar a necessária segregação dos ofensores, seja para ordenar sua soltura quando não estejam presentes as hipóteses de prisão ou o ato se mostrar desvestido das formalidades legais. Em qualquer das situações, vale colocar, as decisões e sentenças ainda se sujeitam ao reexame por Órgão Julgador colegiado do Tribunal de Justiça, mediante provocação dos legitimados.
Essas as obrigações e os limites traçados por um Estado Democrático de Direito, que exige fiel observância da Constituição e das leis.
É certo que com igual preocupação também agem todos os demais atores dessa complexa engrenagem – Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Instituto de Perícias, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Privada e Sistema Prisional –, isso na busca do cumprimento de suas honrosas e indispensáveis atribuições.
A eles rendemos elogios pelo esforço contínuo e pelos relevantes serviços prestados à Sociedade catarinense, mesmo diante de vastas dificuldades estruturais e dos riscos inerentes às funções.
No entanto, impossível aceitar que o diálogo, a parceria e o bom trato, que sempre nortearam o convívio entre as Instituições, sejam descartados e suplantados por ataques subliminares e depoimentos oriundos do Comando Geral da Polícia Militar que desprezam o contexto, como verificado em vídeo institucional (em que, na verdade, a prisão em flagrante restou relaxada por vício, mas presente anterior ordem de prisão temporária decretada pelo mesmo Juiz e pendente de satisfação pelas autoridades policiais) ou em notas e declarações contra o cumprimento de determinação que hoje é expressa na Súmula Vinculante n. 56 do Supremo Tribunal Federal.
Se imperfeições existem para o combate à violência e à criminalidade – e temos a convicção que sim, inclusive com origem na legislação penal e processual penal, ou mesmo no desatendimento, pelo próprio Poder Executivo estadual, de regras e condições para segregação de presos provisórios e condenados, grande propulsor da reincidência –, que sejam trazidas para debate em ambiente e momento próprios, visando construção de soluções integradas que realmente possam servir ao fim maior pretendido, isto é, o de trazer segurança e tranquilidade à Sociedade.
O tema em apreço se mostra relevante não só pelos valores envolvidos, mas principalmente pelos desafios que apresenta, exigindo serenidade, responsabilidade e ações conjuntas em que os propósitos se coloquem acima de pontuais divergências.
Florianópolis, 16 de julho de 2016.
Odson Cardoso Filho
Presidente da AMC