Fagocitose militar

Parece que a cada nova crise do Governo Bolsonaro sai um político civil e entra um político militar

 

 

Dr M. Mattedi

 

 

A Ala Militar está “fagocitando” politicamente a Ala Civil do Governo Bolsonaro. Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), Bento Costa Lima (Minas e Energia), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e capitão da reserva Tarcísio Freitas (Infraestrutura)… Sem contar Mourão! Parece que a cada nova crise do Governo Bolsonaro sai um político civil e entra um político militar. O aumento da presença militar no time ministerial já ultrapassa os últimos três governos militares de Médici, Geisel e Figueiredo.

 

 

A consolidação do poder da Ala Militar no centro do Governo Bolsonaro desencadeia algumas inquietações. Por um lado, o aumento da visibilidade da Ala Militar vai dando materialidade ao espectro do Regime Militar nutrido pela oposição; por outro, embora justificadas tecnicamente as escolhas lançam as Forças Armadas para dentro da partidarização política. É que apesar das sombras deixadas pelo Regime Militar as Forças Armadas permanecem sendo uma das instituições mais respeitadas na sociedade brasileira. Isto acontece porque a imagem generalizada é que as Forças Armadas são formadas por soldados profissionais e competentes.

 

 

Por isto, a progressiva diluição das fronteiras políticas entre o Governo Bolsonaro e as Forças Armadas pode ser converter numa armadilha. É que atualmente mais de cem pessoas com origem nas Forças Armadas ocupam postos em ministérios, secretarias e estatais. Paradoxalmente, quanto maior a colonização militar do Governo Bolsonaro, mais vulnerável estará a imagem das Forças Armadas. Afinal, se, por um lado, na próxima crise a Ala Militar será atingida diretamente; por outro, diminui também sua capacidade de mediação política. Ou seja, o aumento do poder da Ala Militarfará os militares voltarem as manchetes numa eventual crise.

 

 

De forma geral a Ala Militar do Governo Bolsonaro pode ser dividida em dois grupos políticos básicos. Por um lado, o conjunto de lideranças militares que aderiram ideologicamente ao Bolsonarismo; por outro, o conjunto de lideranças que embarcaram no Bolsonarismo estrategicamente. Afinal, o que está em jogo não é somente a especificidade previdenciária, o engessamento do orçamento militar e os mecanismos de controle de gastos públicos, mas também o acesso a documentos, a punições a agentes do Estado, as reparações de cidadãos vitimizados, a administração do ressentimento, etc. Portanto, as vozes que saem dos quarteis não são consensuais.

 

 

Neste sentido, é possível identificar três níveis de tensões produzidos pelos fagócitos militares no interior do Governo Bolsonaro. Num primeiro nível destaca-se a resistência dos ativistas dos Direitos Humanos ao retorno dos militares na arena política; no segundo nível a disputa de poder com a Ala Cível no interior do próprio Governo Bolsonaro; e no terceiro nível dentro da própria Ala Militar entre os militares que concebem o Bolsanarismo como fim, os o conjuntos de militares que consideram o Bolsonarismo como meio. O efeito combinado destes três níveis de tensão é o distanciamento entre civis e militares provocado pelo impulso autoritário da tradição militar brasileira.

 

 

Embora alguns não queiram e outros não saibam, militares gostam de fazer política. A questão aqui é a explicitação da disputa por espaço político dentro do Governo Bolsonaro e o lobby pelos interesses coorporativos das Forças Armadas. Desde 1889 os militares passaram a ter um papel central na cena política. Afinal, em todos os momentos decisivos da história da república os militares estiveram presentes. Foi apenas com o processo de redemocratização iniciado em 1984 que os militares retornaram as funções de defesa nacional e manutenção da ordem. Portanto, o que surpreende não é a presença excessiva, mas, ao contrário, a sua longa ausência.

 

 

A isto tudo se junta também o Fator Mourão. Desde o início do Governo Bolsonaro o vice-presidente tem assumido uma postura de moderação. E do Twitter manda sinais que diferem da táctica de enfrentamento do Bosonarismo duro. As divergências públicas de Mourão com a Agenda Bolsonarista tem sido objeto de muita especulação tanto com relação à política internacional quanto à política doméstica. Por isso, Mourão vai se convertendo numa espécie de âncora política do Governo Bolsonaro, como na crise venezuelana. Neste sentido, o desafio é saber até quando o crescente protagonismo de Mourão será tolerado dentro do núcleo de poder.

 

 

Neste sentido, a fagocitose militar vai diluindo silenciosamente o Bolsonarismo. Isto acontece porque quanto maior a desarticulação política do Governo, maior a influência militar na cozinha política do Palácio do Planalto. O aumento do perímetro de influência das Forças Armadas vem acompanhado do enfraquecimento do poder do Governo Bolsonaro na Câmara. Este processo não deve surpreenderjá que o aproveitamento de quadros militares no governo foi uma promessa de campanha de Bolsonaro. Por isso, é bom ser acostumar porque será cada vez mais comum ver o presidente Bolsonaro rodeado por militares na rotina governamental.

 

 

A fagocitose militardo Governo Bolsonaro é o preço pago por ter eleito um candidato sem plano e sem partido. A intensificação deste processo é diretamente proporcional ao comprometimento da legitimidade política do Bolsonarismo. Neste sentido, o aumento da tutela militar do Governo Bolsonaro parece ser apenas uma questão de tempo…. Assim, o temor é que a presença dos militares no governo se transforme num governo de militares. Paradoxalmente, se Bolsonaro deixou de ser militar porque se tornou muito político, agora corre o risco deixar de ser político por ser pouco militar. Afinal, general não bate continência para capitão!

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