Fantasmas dançantes das noites de fogo

Leia texto poético da colunista Adair Dittrich                                                                                       

 

Tênues, muito tênues começam as danças das labaredas que aquecem as noites de minha alma. Tênues, muito tênues, leves, perdem-se no ar, sem sentido nenhum a tomar, nesta dança sem fim. Nesta dança que não cansa de ser dança, nesta dança que não cansa de ser fim.

 

Ante a minha visão aturdida, nestes meus semicerrados olhos, transmutam-se as labaredas… são fantasmas dançantes a esgueirar-se em voluptuosos e eróticos movimentos, ao som dissonante do crepitar de um fogo que não cessa de ser fogo, que não cessa de ser som.

 

Meus fantasmas dançam entre as chamas. Na mudança de cores e tons insinuam-se os meus fantasmas. Seu tênue e manso início, levemente azulado, vai aos poucos, aos pedaços, aos tropeços, alongando-se em ferinas línguas de fogo de fantasmagórica mistura de todos os matizes.

 

Tento alcançar na noite que surge os fantasmas ainda azuis. Porque, ao tocá-los, não sentiria o ardor de sua tênue chama. Mas eles fogem. Fantasmas que eram azuis somem diante de meus sonolentos olhos.

 

Tão fugazes quanto os sonhos deste crepúsculo que, magnífico, irrompera neste brusco anoitecer e rápido sumira com o surgir do breu de que se vestia o dia que findava.

 

E as labaredas volteiam nas mais contrastantes direções sob a ação de um vento que se insinua entre elas e não se cansa de ruflar. Imiscuem-se os meus fantasmas entre as nesgas do vermelho-alaranjado parecendo zombar de mim que nem mais perto deles consigo chegar.

 

Estática e pétrea incrusto-me em marmóreo manto. Nem a mente consegue mais discernir o espaço em frente onde, até há pouco, dentro das chamas, encontravam-se os olhos que com tão forte magnetismo me fitavam.

 

Em suas rubras cores vestidos os meus fantasmas enrodilham-se, escondem-se, entrelaçam-se, movem suas línguas flamejantes numa ânsia doida e doída na tentativa de atingir o clímax antes que finde o seu fugaz viver.

 

Eis, então, que surge, no centro de todas as labaredas de múltiplas cores, no centro de todas as labaredas de múltiplos tons, a chama mais branca e mais pura, o fantasma que brilha com maior intensidade dentre todos os fantasmas que o rodeiam, dentre todos os fantasmas que se movem ante a minha atônita visão.

 

Apenas ele, somente ele, tem o dom de derreter os mais duros metais deste triste, denso e tétrico muro. Abominável muro que, há milênios, implacável, erguendo-se à nossa frente, nos segrega e nos separa.

 

Em meu sonho, entre as labaredas, eu mergulho. Por entre as chamas o meu corpo fluídico navega ao sabor dos ventos que o seu calor gera quando se encontra e se bate contra as frias paredes do infinito além.

 

Das profundas brumas do meu sonho eu retorno. Tristes fantasmas são agora apenas pequenos espaços, de vermelho luzidio vestidos, em meio aos enegrecidos e negros pedaços de carvão entre cinzas.

 

Mas, de dentro do sonho uma força maior retorna fazendo ventar sobre os cintilantes pedaços rubros o aconchego do amor. E os fantasmas do vento acordam as brasas adormecidas, levando com eles fagulhas que atingem secos gravetos espargidos ao redor.

 

Com o ruflar deste incessante vento, transformam-se os meus fantasmas. Voluptuosas dançarinas desfilam em cintilante palco suas eróticas danças envoltas em grossas e negras massas de fumaça. Rodopiando entre lascas e gravetos, entre brasas e tições para o alto são levadas.

 

Os meus fantasmas emergem das labaredas e entre a massa enfumaçada, meio cinza, meio dourada, ascendem ao espaço azul evolando-se no ar. Os meus fantasmas emaranham-se entre as nuvens onde escondem as nuances de teu rosto, os contornos de teu corpo e a beleza de teus versos.

 

Por que estas labaredas que se transformam em fantasmas tentando queimar a tua imagem, não queimam também esta saudade?

 

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