Eleição de 1989 marcou o fim de da Convenção do Crescimento e o início da Convenção da Distribuição
Dr. M. Mattedi
A eleição de 2018 lembra a eleição de 1989. De um lado, no campo conservador Bolsonaro corresponde a Collor e, de outro, no campo progressista, Haddad equivale a Lula, enquanto Ciro a Brizola. Além disso, a eleição de 1989 marcou o fim de da Convenção do Crescimento e o início da Convenção da Distribuição. Embora não seja muito evidente em 2018 parece que estamos presenciando o fim de um ciclo e o começo de outro… Porém, examinando mais atentamente verifica-se uma diferença sutil, mas importante. Enquanto em 1989 a disputa eleitoral se concentrou na conquista do centro, em 2018 aponta para a polarização.
A polarização política refere-se a posicionamentos ideológicos excludentes. Embora hoje a clivagem progressista (justiça social) e conservador (garantias individuais) não faça mais muito sentido político, a polarização se materializa em questões práticas como, por exemplo, desarmamento ou aborto. É por isto que a polarização deve ser considerada, ao mesmo tempo, como um estado e um processo. Enquanto um estado opera binariamente de forma maniqueísta; como um processo baseia-sena progressiva redução da transitividade ao longo do tempo. Portanto, a polarização política tende a acentuar as diferenças ideológicas de ideias, bandeiras e interesses.
Neste sentido, o processo de polarização política parece ser contra intuitivo. Afinal, ele contradiz a validade do Modelo Hotelling-Down. O Modelo Hotelling-Down estabelece que a posição eleitoral mais vantajosa está localizada no centro.Parte do pressuposto de que as preferências dos eleitores tendem a se agrupar no meio do espectro de opiniões políticas, obedecendo a curva de Gauss.Neste sentido, historicamente a estratégia de competição na política representativa visava ocupar o centro. Por isto, os candidatos sempre evitaram assumir posições extremas procurando se situar no centro do espectro ideológico. Afinal, quem ocupava o centro ganhava a eleição.
Ao contrário, na política polarizada os candidatos e eleitores adotam posições sempre mais radicais. Por um lado, os eleitores demandam soluções extremas para seus problemas; por outro, os candidatos apresentam respostas políticas mais intransigentes. Desta forma, o principal objetivo da campanha eleitoral não é atrair os eleitores moderados, mas radicalizar os apoiadores. Trata-se de campanhas no qual predomina a desconstrução dos adversários, em detrimento do debate sobre a viabilidade das propostas. Frequentemente, a política polarizada gera contextos eleitorais nos quais prevalecem, ao mesmo tempo, soluções populistas e lideranças demagógicas.
A crescente polarização da eleição de 2018 indica que o comportamento do eleitor brasileiro se modificou muito nos últimos anos. Desde 1989 a maior parte dos eleitores permanecia posicionado ao centro; porém, a partir de 2014 predomina, de um lado, o revanchismo (indignação de direita) e, de outro, ressentimento (vitimização de esquerda).Por isto, a oposição entre antipetistas e petistas toma conta das ruas, das redes sociais e das páginas de jornais, redefinindo a importância da política tradicional de centro. Para entender este processo é preciso considerar três forças polarizantes: a)o efeito contraste; 2) o fenômeno Trump; 3) as bolhas de filtragem.
Por um lado, verificam-se os limites do padrão predominante de desenvolvimento sócio-econômico. Durante o Regime Militar a economia brasileira cresceu, mas a riqueza permaneceu concentrada (Convenção do Crescimento). Com o processo de abertura se estabelece um novo pacto político que se materializa na Constituição de 1988 (Convenção da Distribuição). Contudo, as Manifestações de 2013, associadas à Lava Jato e ao aprofundamento da resseção redefiniram a agenda pública, aumentando a competição pelos recursos remanescentes. Este processo desestabilizou o modelo de controle político baseado na inclusão social sem redistribuição.
Por outro, existe também a influência das tendências políticas internacionais. Com o fim da Guerra Fria,a bipolaridade capitalismo e socialismo se enfraqueceu, dando origem a posições com desenhos ideológicos menos nítidos. Porém, com a crise financeira de 2008 este processo se reverteu, estimulando novamente o radicalismo. Assim, não somente a eleição de D. Trump, mas também no Brexit e M. Le Pen verifica-se a substituição do debate de ideias por reações emocionais. Este processo vem favorecendo o aparecimento no Brasil de um comportamento político que mistura narrativas extremistas com ativismo agressivo.
E, por último, o efeito emergente das mídias sociais. A psicologia evolucionária descobriu que o ser humano é naturalmente propenso a vieses cognitivos. Isto acontece porque é cognitivamente mais fácil acreditar que duvidar. O processo de customização das informações efetuado pelos algoritmos das mídias sociais potencializou o viés de confirmação.Assim, por um lado, as mídias sociais diminuíram os custos do ativismo político e, por outro, prenderam o eleitor nas bolhas ideológicas criadas por grupos de Facebook, WhatsApp e Twitter. Ao restringir o convívio às pessoas que possuem as mesmas opiniões, este processo acabou aumentando o radicalismo político.
O efeito combinado destas forças polarizantes redefiniu a eleição de 2018.Até 2014 os candidatos sempre evitaram assumir posições extremas… Mas, desde então,não importam os fatos, mas a espuma emocional criada pelo fatos. É que a política polarizada é ativada pela hipersensibilidade e hipersensibilidade do eleitor. A medida que as tácticas de Bolsonaro e Haddad esvaziam as candidaturas de centro, potencializam-se os efeitos polarizadores do segundo turno. Embora eleições polarizadas sejam mais fáceis de serem vencidas,criam governos difíceis se serem mantidos. Afinal, polarizações acabam tendo como consequência oposições sistemáticas!