Frei Junipero em Havana e Alícia Alonso e o Balé de Cuba

Assistimos ao espetáculo “Gala Amistad Cuba-China”, uma função especial do Ballet Nacional de Cuba

 

 

 

A tarde corria célere. Como sempre correm as horas felizes. Saímos do modesto, pequeno e apaixonante restaurante entoando e assobiando as melodias cantadas e dedilhadas ao violão por nosso já velho amigo Angel, o cubano de gloriosos antepassados oriundos da África subsaariana.

 

 

 

Foi uma longa caminhada até a orla, no Malecón, onde tomamos, uma vez mais, um enorme cadillac conversível, rabo de peixe, da década de 50 do século passado, que nos deixou em nosso tugúrio, no bairro de Vedado.

 

 

 

O calor da tarde levou-nos a tomar algo refrescante na lancheria vizinha, “La Chucheria Sport Bar”. Onde encontramos o restante do grupo. Amigas e tias de Tereza. Ela e os pais, envolvidos com os preparativos da formatura, que seria no dia seguinte.

 

 

Ballet Nacional de Cuba

Mesmo em quase estafa, devido às tantas andanças daquele dia, em meu mais recôndito eu havia algo a mais, um ponto máximo, um ponto clássico, um espetáculo que não poderia deixar de ser visto. Uma apresentação do Ballet Nacional de Cuba. O magnífico Ballet de Cuba, mostrado, divulgado e que ficou no mundo conhecido, através da arte inigualável da legendária bailarina cubana Alicia Alonso*.

 

 

 

Enquanto um saboroso suco de laranja refrescava o corpo e a mente tive a feliz notícia de que, naquela noite, haveria um espetáculo inédito daquela companhia de balé. Apressei-me em saber os detalhes. Onde? Como? Horário? Mas a minha amiga Bernadete Wrublewski, uma das tias de Tereza, já estava informada de tudo.

 

 

Teatro Nacional de Cuba

Foi uma correria para que nos arrumássemos e correndo fomos até o Teatro Nacional de Cuba. Que é um belo e moderno edifício. Com obras de pintores e escultores cubanos espalhadas pelas diversas salas.

 

 

 

É uma imensa construção, com dois palcos e plateias principais, uma oficina de teatro e espaços para aulas de balé e para os ensaios dos componentes do Balé Nacional. O espetáculo daquela noite foi apresentado no Hall Avellaneda, uma plateia imensa, com capacidade para 2.254 espectadores.

 

 

 

 

Conseguimos ainda adquirir ingressos, embora quase nas últimas fileiras e na plateia lateral. Mas o teatro é tão bem idealizado que, embora naquela distância, parecia-me que eu estava ao rés do palco.

 

 

 

 

Encontro-me, ainda, em êxtase ao lembrar-me que tive uma oportunidade tão especial em minha vida. A de ver a grande dama do balé mundial, sendo aplaudida em pé, e ovacionada, ao aparecer em seu camarote, sorrindo, do alto de seus noventa e dois anos.

 

 

 

 

 

Alicia Alonso era, ainda naqueles dias, a diretora geral do Ballet Nacional de Cuba e, diariamente, ela lá ficava, dando lições, desenvolvendo coreografias, instruindo bailarinos.

 

 

 

 

*

 

 

 

Cega, desde os setenta anos de idade, não se entregou a essa deficiência e presente estava em cada momento, em cada ensaio, percebendo, com sua sensibilidade artística, qualquer passo em falso, qualquer deslize, qualquer erro, apenas pelo som dos pés dos bailarinos nos palcos e nos tablados.

 

 

 

 

Naquela noite assistimos ao espetáculo “Gala Amistad Cuba-China”, uma função especial do Ballet Nacional de Cuba com os primeiros bailarinos do Ballet Nacional da China.

 

 

 

 

 

E os bailarinos, no palco, eram como aves e como nuvens no espaço, dançando ao som de selecionados excertos de célebres peças do Balé Clássico, como “Cenas de Giselle”, “Pax-de-deux de Esmeralda”, “Duo de amor de Espártaco” e de “O Corsário”. Não poderia faltar o clássico “Dom Quixote”, para encerrar o espetáculo de gala.

 

 

 

 

Ao final, ela, a legendária, vem à boca de cena, ladeada pelos bailarinos, para o coreográfico agradecimento. Uma das cenas mais emocionantes foi ver Alicia Alonso fazer aquele gesto, no palco, quase genuflexa, frente ao público, que não cessava de ovacioná-la em pé!

 

 

 

 

 

Impressão de que o Teatro Nacional de Cuba quase viria abaixo com a torrente de aplausos que duraram mais de dez minutos, enquanto lágrimas de emoção lavavam meu rosto. Saí de lá em silêncio, gratificada por ter visto e aplaudido a magnífica bailarina e coreógrafa Alicia Alonso.

 

 

 

 

E em silêncio tomamos um carro de aluguel que nos levou a um restaurante. Parecia ser muito tarde já, mas o local estava lotado. E as conversas, em todas as mesas, a girar em torno do espetáculo daquela noite.

 

 

 

Novamente, lagostas frescas, pescadas naquela tarde, nos verdes mares de Cuba, devidamente temperadas e grelhadas de uma forma tão especial, deixando-as com uma maciez e sabor inigualáveis.

 

 

 

Foi um jantar excepcional, com um papo impar com Regina, Bernadete, Terezinha e Clarice Wrublewski, irmãs de Luzia, mãe de Tereza.

 

 

 

Falaram-me elas dos museus que haviam visitado naquele dia. Era um dos pontos de Havana que me eu não poderia deixar de visitar. Entusiasmada para ver, pelo menos um pouco do que lá se encontra exposto, logo após o café da manhã seguinte, para lá me dirigi. E a sós. Porque o restante do grupo queria visitar a Fortaleza de San Carlos de la Cabaña.

 

 

 

 

Era o dia da grande solenidade de formatura da Escuela Latino Americana de Medicina de Cuba. Era uma solenidade conjunta de inúmeros cursos universitários. Não posso afirmar, com certeza, mas creio que deveriam ser uns quatro mil formandos. Então apenas Celso e Luzia, pais de Tereza, tinham convites para assistir o cerimonial. Pensamos, até, em conseguir um para mim, com um colega dela, cujos pais não puderam comparecer. Acharam melhor que eu não fosse. Pela distância, pela duração da cerimônia, pelo calor…

 

 

Museu Nacional

 

Tomei um carro de aluguel com destino ao Museu Nacional. Como eu ia só, não fui de cadillac. O motorista já era nosso conhecido, de outras corridas. Deixou-me ao lado do museu. Explicou-me que eu deveria contorná-lo para encontrar a porta principal. Foi o que fiz. E fechadas estavam portas após portas. Até encontrar um guarda que me explicou a razão. Estávamos no dia do feriado nacional mais importante de Cuba. Era o dia 26 de julho.

 

 

 

 

Retornei sob meus passos. Nisto encontro o afável motorista que me trouxera ali. Afobado, correra ao meu encontro para avisar-me que naquele dia todas as repartições públicas estariam fechadas. Agradeci e disse-lhe que ficaria ali por Habana Vieja mesmo. Que recuerdos eu precisava adquirir.

 

 

 

Foi então que eu conheci um dos mais instigantes meios de transporte de Havana. O Bicitaxi. Bem acomodada, fui levada pelo bicitaxista, por algumas vielas até encontrar uma pequena loja, onde adquiri vários objetos de artesanato local.

 

 

Parque Central de Havana

 

Com ele retornei até o já conhecido Parque Central de Havana. Em seu entorno fiquei a perambular. O encanto não cessa. As emoções não cessam. Os mais variados sons das mais variadas melodias em cada canto, em cada esquina, em cada praça, em cada parque.

 

 

 

 

Naquele passeio matinal por Habana Vieja, repentinamente, surge à minha frente uma antiga Igreja, a Igreja de São Francisco de Assis. Uma silenciosa nave. Pessoas em contrição, ajoelhadas, a rezar. Um suave e quase inaudível som de órgão quebra a monotonia da manhã silente. E ouvi o cantar de passarinhos. Passarinhos na igreja dedicada ao santo de Assis.

 

 

 

 

Logo que dela saí, deparo-me, subitamente, na praça que a rodeia, com a estátua de um monge, de um frei. Aproximo-me. Leio a inscrição nela gravada. Frai Junipero Serra. Nascido na Ilha de Majorca, Espanha. Morto em San Diego, Califórnia, Estados Unidos.

 

 

 

 

Então ele era real! Frei Junipero Serra era real! Não apenas um personagem das ficções do escritor J. Mallorqui, inserido nas aventuras de “O Coiote”.

 

 

 

 

“O Coiote”, uma série que deveria ser interminável. Uma série, em livros de bolso, que conta as histórias de um lendário defensor dos perseguidos e injustiçados. Aventuras que se desenrolaram por San Diego, pelo deserto de Mojave e arredores.  Um defensor por nós, em todos os dias, procurado e sonhado, para defender-nos de todas as injustiças.

 

 

 

 

 

Lá eu o imaginava, montado em seu corcel negro, com sua vestimenta negra, com a negra máscara cobrindo-lhe os olhos e com o também negro chapéu de abas largas, em galope acelerado, pelas ardentes areias ou em meio às palmeiras da beira d’água, voando para atender a mais um pedido de Frei Junípero, enquanto as ondas do mar e os verdejantes ramos continuavam sussurrando suas juras de amor.

 

 

 

*Alicia Alonso faleceu em 17 de outubro de 2019, dois meses antes de completar 99 anos.

 

 

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