Nenhum outro evento climático provocou tamanha tragédia na região
O devastador vendaval que matou uma pessoa em Porto União na noite deste domingo, 15, traz uma triste coincidência. Há exatos 68 anos, também num domingo, um furacão matava 23 pessoas na localidade de Valinhos, interior de Canoinhas. Foi a maior tragédia climática já registrada em Santa Catarina se considerado o número de mortos. Em 2011, o jornal Correio do Norte publicou reportagem especial sobre o fenômeno. Leia abaixo:
Dia típico de outono, nem muito quente, nem muito frio. O céu estava carregado de nuvens, anunciando uma severa chuva. Costume no interior, a falta do que fazer levava as pessoas cedo para a cama, especialmente em noites de tempestade, que era o que parecia se preparar naquele 16 de maio de 1948.
Euclides Miranda, 77 anos, estava deitado em sua cama no quarto que dividia com uma irmã de 17 anos e um irmão de oito anos, quando ouviu um estrondo que parecia vir de Felipe Schmidt (localidade distante cerca de 10 quilômetros de Valinhos). “Parecia que o furacão explodia um monte de dinamites cada vez que tocava o chão”, relata. A dinamite a que Euclides se refere, certamente era o barulho de casas, comércio, igreja, escola, serrarias e currais que foram varridos pelo furacão em menos de cinco minutos. A casa onde Euclides vivia com a família não ficou impune. A destruição o deixou por mais de 12 horas debaixo dos escombros, salvo pelas pernas da cama que seguraram o teto que caiu sobre ele. Seus irmãos, no entanto, não tiveram a mesma sorte. “A tábua que caiu em cima da cabeça do meu irmão deixou seu rosto fininho”, conta com naturalidade, demonstrando que os anos o ajudaram a aceitar o trauma da perda e as cenas de horror que testemunhou com apenas 14 anos de idade.
Euclides só foi retirado dos escombros quando no dia seguinte, homens da prefeitura chegaram ao local e ergueram as tábuas que o prendiam. Seu saldo na tragédia, além da perda dos irmãos, foi a clavícula quebrada. Ao abrir os olhos, até onde sua vista alcançou, viu somente destruição e um enorme descampado. Valinhos foi praticamente varrida do mapa por um furacão de 300 km por hora, velocidade jamais alcançada por um fenômeno semelhante na região.
Euclides explica que, além da destruição das casas, um fator bastante relevante agravou o drama da população local. O furacão atingiu o depósito da Serraria Tomasi, que empregava muitos moradores da localidade, arremessando madeira para todos os lados. Muitas dessas madeiras acabaram matando animais e até pessoas. A foto de um cavalo com uma tábua atravessada em seu corpo demonstra a violência do vento. Euclides conta que 14 cavalos morreram atingidos por tábuas da madeireira naquela noite.
Floriano Suchek, único sobrevivente da família, conta que sua mãe, muito religiosa, convocou a família a rezar de joelhos, prevendo “o fim do mundo”. Floriano percebeu que uma janela estava aberta e ao tentar fechá-la viu o monstruoso furacão se aproximando. Em questão de segundos se viu com a janela na mão e a casa completamente destruída com toda a família morta sob os escombros.
O que aconteceu nos dias seguintes ao furacão foi a agonia de uma localidade promissora. Em questão de poucos dias, as mais de 150 famílias que viviam em Valinhos foram deixando a localidade. A religiosidade sempre elevada na localidade foi junto com a igreja que desde o furacão não se encontrou uma tábua sequer. Os mais velhos atribuíam o furacão, uns a providência divina, outros a obra do tinhoso. Por via da dúvida, a maioria decidiu deixar a localidade e morar com parentes em localidades vizinhas ou simplesmente deixar a cidade.