Jogo da Baleia Azul chama atenção para o risco do suicídio juvenil

 Mãe de Canoinhas revela aflição ao não saber como agir com a filha; crianças e adolescentes podem demonstrar não só com mutilações que estão passando por momentos difíceis

 

O sinal de alerta para Ana Carolina* soou quando o diretor do colégio onde sua filha, Samara*, a chamou para dizer que desconfiava que sua filha estava participando do Jogo da Baleia Azul, que propõe desafios ameaçadores que colocam em risco à vida dos participantes. Ana ainda não entendeu direito o que é o jogo. Nem mesmo o diretor soube explicar. Os sinais de mutilação no braço da filha, no entanto, foram suficientes par deixá-la desesperada. “Falei com ela, ela disse que não vai fazer mais, mas tenho muito medo”.

 

Samara contou para a mãe que fica triste com as abordagens de um colega de sala. “Ele me bate na cabeça e me xinga”, disse. O diretor da escola já chamou os pais do menino, mas eles disseram que não conseguem “com a vida do menino”, segundo relata Ana, que deixou a filha em casa um dia depois de ter sido chamada pelo diretor da escola. “Não sei se é a atitude mais correta, mas tenho medo de mandá-la para casa”, conta na manhã em que procurou o departamento de jornalismo da Band FM porque não sabia a quem recorrer. Foi orientada a procurar o psicólogo que atende na rede pública.

 

A assistente social e vereadora Zenici Dreher (PR) explica que o procedimento mais correto para pais que estão com dificuldades em conversar sobre o tema com os filhos ou desconfiam que ele ou ela vem se mutilando, é procurar a unidade de saúde mais próxima. Canoinhas, no entanto, tem um serviço exclusivo para atender crianças e adolescentes. É o Programa de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (Papca), que funciona em um prédio que fica na esquina do Instituto Geral de Perícias (IGP), antiga Delegacia. O Papca, explica Zenici, dispõe de um equipe formada por psicóloga, técnica de enfermagem e um clínico geral, além de um psiquiatra que vem uma vez por semana de Jaraguá do Sul. “Estudamos, inclusive, produzir algum material com a ajuda do psiquiatra para distribuir em ponto estratégicos”, explica a assistente social.

 

ESTADO TAMBÉM REAGE

Diante da grande repercussão do Jogo Baleia Azul e da possível relação dele com casos de tentativas de suicídio no país, o Governo de Santa Catarina emitiu alertas aos profissionais de saúde e professores em relação a procedimentos a serem adotados em casos de suspeita ou confirmação de automutilação e/ou de tentativa de suicídio, especialmente entre crianças, adolescentes e jovens.

 

A Secretaria de Estado da Saúde emitiu nota de alerta aos serviços de saúde para que se mantenha elevado nível de suspeição diante de casos de lesões, envenenamento ou intoxicação que possam caracterizar violência autoprovocada. O documento, produzido em conjunto pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica e pela Gerência de Atenção Básica, recomenda que os profissionais de saúde abordem as pessoas e seus acompanhantes a respeito das causas do agravo para confirmar ou descartar a suspeita. Em caso de confirmação, a pessoa deve ser acompanhada pelas equipes da Estratégia de Saúde da Família para acolhimento e, se necessário, ela será encaminhada ao serviço especializado em saúde mental, no caso os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

 

“O suicídio entre jovens é algo que sempre preocupou os serviços de saúde, mas agora está se tornando mais evidente por conta das redes sociais. A atuação dos grupos de prevenção e de saúde mental é fundamental, assim como das escolas”, enfatiza Eduardo Macário, diretor da Dive/SC. Ressalta-se que todos os casos de violência autoprovocada e de tentativa de suicídio são de notificação compulsória imediata, conforme Portaria 204/2016 do Ministério da Saúde.

 

“A porta de entrada para o acolhimento é sempre as unidades básicas de saúde”, informa a psicóloga Rose Brasil, coordenadora do programa de Saúde Mental de Santa Catarina. Os serviços públicos de saúde mental de Santa Catarina contam com 99 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em diversos municípios e diferentes modalidades, um deles em Canoinhas, e mais 23 estão em fase de implantação. “Nessas estruturas são atendidas pessoas que vêm em demanda espontânea, incluindo as que têm depressão grave, pensamento suicida e tentativa de suicídio”, explica Rose.

 

A Secretaria de Estado de Educação enviou nota de orientação às 1.080 escolas da rede estadual sugerindo ações preventivas e interventivas aos casos suspeitos. Por meio da Política do Núcleo de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento as Violências na Escola (NEPRE) educadores irão promover encontros para esclarecimentos, palestras e debates com os estudantes e a família na escola.

 

A gerente de Políticas e Programas da Educação Básica e Profissional da SED, Julia Siqueira da Rocha, ressalta que a mediação dos professores com os estudantes é fundamental no trabalho pesquisas sobre o assunto. “O objetivo dessa pesquisa deve ser a possibilidade de escuta dos estudantes e conhecimentos para que eles possam tomar decisões seguras. Entendendo que as redes sociais podem ser espaços também para manipulação de crianças e adolescentes”, enfatiza. Julia destaca, ainda, a importância dos educadores e dos familiares de demonstrar segurança e acolher o jovem que acabou entrando no jogo.

 

 

RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

“A prevenção ao suicídio é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre os setores da saúde, da educação, da assistência social e da sociedade em geral. Todos devemos estar atentos diante de uma possível situação de sofrimento, pois o acolhimento, a escuta e o suporte são ferramentas indispensáveis para a prevenção do suicídio”, ressalta Gladis Helena da Silva, gerente de Vigilância de Agravos da Dive/SC. Segundo ela, outro importante aliado na prevenção do suicídio tem sido o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional gratuitamente, de forma voluntária, 24 horas por dia, por telefone (141), e-mail ou chat pelo site da instituição (www.cvv.org.br).

 

Apesar de a atenção estar voltada mais para os adolescentes e jovens neste momento, os dados epidemiológicos demonstram que, em Santa Catarina, o maior número de óbitos por suicídio ocorreu na faixa etária entre 50 e 59 anos em 2016 (152 casos). Entre pessoas de 10 a 19 anos, foram 39 óbitos. No total, o estado registrou 670 óbitos por suicídio no ano passado, dos quais 77% eram homens. Já entre os casos notificados pelos serviços de saúde de tentativa de suicídios predomina pessoas entre 20 e 29 anos (693 casos). Entre pessoas de 10 a 19 anos, foram 501 casos. No total, foram 2.721 casos de tentativa de suicídio notificados no ano passado, sendo 66,9% de mulheres.

 

Veja sinais de atitudes dos adolescentes que podem estar relacionadas com o jogo

1. Mutilações na palma da mão
2. Ele assiste filmes de terror/psicodélicos com frequência
3. Mutilações nos braços – cortes grandes com desenhos de baleia ou qualquer outro animal
4. Desenhos de baleia
5. Posts em redes sociais com os dizeres “#i_am_whale” (“Eu sou uma Baleia”).
6. Sair de casa em horários estranhos – madrugada principalmente
7. Cortes nos lábios
8. Furos nas mãos com agulhas
9. Arranjar brigas
10. Evitar conversar durante muitas horas

 

Veja, a seguir como se prevenir:

Mudanças de comportamento

Fique de olho se seu filho ou filha apresentou uma mudança brusca de comportamento. Isso pode ser sinal de que a criança ou adolescente esteja sofrendo com algo que não sabe lidar, segundo Elizabeth dos Reis Sanada, doutora em psicologia escolar e docente no Instituto Singularidades (SP). “Isolamento, mudança no apetite, o fato de o adolescente passar muito tempo fechado no quarto ou usar roupas para se esquivar de mostrar o corpo são pistas de que sofre algo que não consegue falar”, diz.

 

Demonstre interesse

Para entender se o jovem está com problemas, é fundamental que os pais se interessem por sua rotina. Elizabeth reforça que esse deve ser um desejo genuíno, e não momentâneo por conta da repercussão do jogo: “Os pais devem conhecer a rotina dos filhos, entender o que fazem, conhecer os amigos”.

 

Espaço para o diálogo

Filhos devem se sentir acolhidos. Por isso, Elizabeth reforça que é necessário que os pais revertam suas expectativas em relação a eles: “É preciso que o adolescente fique à vontade para falar de suas frustrações e se sinta apoiado. Se ele tiver um espaço para dividir suas angústias e for escutado, tem um fator de proteção”.

 

Vulnerabilidade

Angela Bley, psicóloga coordenadora do Instituto de Psicologia do Hospital Paqueno Príncipe (PR), diz que o adolescente com autoestima baixa e sem vínculo familiar fortalecido é mais vulnerável a cair neste tipo de armadilha. “O que tem diálogo em casa, não é criticado o tempo todo e tem autoestima melhor tem risco menor”. Ela reforça que muitas vezes o jovem não tem capacidade de discernir sobre todo o conteúdo ao qual é exposto. “Por isso, é importante o diálogo franco”.

 

Confiança

O jovem precisa buscar pessoas em quem confia para compartilhar seus anseios, seja na escola ou na família. “Que ele não ceda às ameaças de quem já está em contato com o jogo e entenda que quem está à frente deles são manipuladores”, diz Elizabeth.

 

Iniciativas da escola

As escolas podem ajudar a identificar situações de risco entre os alunos. “Não é qualquer criança que vai responder ao chamado de um jogo como esse, são os que têm situações de vulnerabilidade. A escola ajuda a construir laços e tem papel fundamental de perceber como os alunos se desenvolvem”, afirma Elizabeth. Alguns colégios, já cientes da viralização do jogo, começaram a pensar em alternativa para aumentar a conscientização sobre a importância de cuidar da vida.

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