Leia nova coluna de Adair Dittrich
Amanhecêramos em Paris após uma noite inteira viajando. Em vagões de primeira classe e cabines com espaçosas e confortáveis poltronas para seis passageiros. Mas, sem lugares vagos desta vez. Sem a possibilidade de se esticar as pernas nos bancos da frente como fizéramos em muitas outras viagens noturnas anteriores.

Não sei onde embrulhamos o nosso cansaço, pois, mesmo após um intenso dia de muito andar a pé pelas ruas ou nos trens subterrâneos, tivemos ainda fôlego para desfrutar a noite na Place du Tertre em Montmartre.
A praça toda fervilhava. Ao ar livre músicos solavam os mais variados instrumentos. Gente entrando e saindo de cafés e restaurantes. E do interior de um deles a animação nos pareceu mais intensa. O ritmo da música mais animado. Tudo a convidar para uma noite muito alegre.
Já após a grande porta de entrada um enorme balcão semioval repleto de atraentes mini petiscos e atrás dele um simpático garçom a preparar os mais atraentes e coloridos drinques. Ao se pedir uma cerveja ou um refresco já se podia desfrutar de todos aqueles pequenos e deliciosos salgadinhos. O que é quase obrigatório se fazer enquanto se espera pelas vagas em uma das mesas.
O salão era imenso. Repleto de mesas retangulares justapostas com espaço para oito pessoas. Para uma delas onde dois lugares ficaram vagos fomos levadas. Foi assim que a um animado grupo nós nos juntamos. Enquanto aguardávamos que nosso simples e pequeno pedido fosse aviado ficamos a contar de nós e a ouvir dos outros.
Na mesa ao lado da nossa estava sentado em posição diagonal a nossa um jovem muito bonito, muito simpático e muito sorridente acompanhado de uma garota séria. Quem não conheceu minha amiga Jucy não irá entender a aventura pela qual passamos. Ela era muito extrovertida, sorria com o rosto inteiro. Tinha uns olhos esverdeados deslumbrantes, luminescentes e fulgurantes até. A mocinha séria que estava ao lado do rapaz sorridente pressentiu um inexistente perigo no olhar de minha amiga …
A garota nem titubeou! Foi tudo tão rápido. Eu nem tive tempo de sequer imaginar o que havia acontecido, pois em animada conversa eu estava com meu vizinho de frente. Só ouvi o ruído de algo esborrachar-se na face de minha amiga e espalhar-se ao nosso redor. Era o conteúdo quase integral de uma enorme taça de sorvete, que, como um aríete contra nossa mesa fora lançado. Colorida e gelada massa a escorrer pelo rosto, pelo colo e pela roupa. Colorida e gelada massa que respingou pela mesa atingindo todos os circunstantes. Colorida e gelada massa arremessada pelas mãos de uma ciumenta garota. Que achou que seu amado ficara enfeitiçado pelos chamejantes e sorridentes olhos de minha companheira de viagem.
Ao moço bonito e à sua amada garota nada mais restou a não ser uma estratégica retirada do ambiente.
E a nós a busca dos sanitários. Pois retirar as sobras do sorvete que se espalharam em nossas faces, em nossos braços, em nossa roupa era preciso. Se já ríamos por qualquer coisa imaginem-se as gargalhadas homéricas após esta inesquecível cena. Inesquecível cena de uma noite na fervilhante Place du Tertre, em Montmartre.
E ainda rindo muito fomos dormir. O outro dia amanhecera brusco. Preocupou-me a ideia de que enclausurada entre quatro paredes devêssemos permanecer. Então se fosse este o nosso destino que o passássemos entre as quatro paredes de um museu.

Embora o Museu do Louvre seja o mais falado, o mais famoso o mais procurado muitos outros museus agregam obras que jamais poderão deixar de ser vistas. E eu queria um dia inteiro só para me inebriar com os Impressionistas do Museu d’Orsay.
Só de se olhar para o histórico edifício onde ele está situado muitos suspiros de admiração já foram emitidos. Imponente arquitetura com sua fachada que se estende à margem esquerda do Rio Sena. Talvez por lá ter sido uma estação ferroviária tenha sido uma grande razão para o meu encantamento. Minha vida está ligada à viação férrea. Em uma estação eu nasci. E um grande pedaço de tempo em torno dela vivi. Mas eu preciso falar de outro encanto. O encanto de ver as obras lá expostas.
De Rodin e Gauguin há esculturas e pinturas. E aquelas telas que retratam o quotidiano de uma forma ímpar como se entre névoas estivessem. Matisse, Cézanne, Dégas, Manet, Van Gogh, Mondrian, Monet, Renoir, Toulouse-Lautrec e uma infinidade de outros espalham-se por todas aquelas artísticas paredes. Foram horas de mergulho nestas águas impressionistas das quais apenas me distanciei por um curto espaço de tempo para um ligeiro almoço.

Depois de haver me imiscuído nos detalhes destas obras que há tanto me encantam fui em busca de outro templo sagrado que engloba as coisas dos hojes. As modernas de então. As modernas dos hojes de quando lá estive. Fui em busca do Museu Nacional de Arte Moderna que é apenas um detalhe do Centro Georges Pompidou ou Beaubourg no dizer dos parisienses. Lá são encontradas as principais obras que cobrem os movimentos cubistas e surrealistas do século vinte. Junto com expressionistas e seguidores do fauvismo. O que me chocou tremendamente foram as obras do chamado movimento Dada, com temas sobre o horror da guerra. Também a pop-art intensamente aparece. E entre eles todos o destaque para as telas de Picasso e Braque.
Fomos visitar o Beaubourg mais por uma questão de curiosidade. Para ver Picasso há em Paris um museu só a ele dedicado. Onde não estive. Preferi com os Impressionistas continuar em minha retina.
Fora um dia para nos deslumbrarmos com os interiores dos museus e com os imponentes e belos jardins que enfeitam Paris. Porque a tarde nos trouxera de volta o sol.

Ao retornarmos ao nosso hotel já no escurecer daqueles primeiros dias de agosto passamos em frente a um ruidoso restaurante. Ruídos de pratos quebrados e o conhecido ritmo e som de músicas que me lembravam “Zorba, o grego”.
Sim, estávamos defronte a um legítimo e típico restaurante grego. Para onde fomos, literalmente atraídas e sugadas. Quando percebemos já sentadas estávamos e a comida ia sendo servida com a maior alegria por um maître trajado à moda da famosa terra de Ulisses.
Nosso prato a meio caminho ia quando alguns garçons trajados como seu chefe começam a tocar uns instrumentos de cordas que me pareceram, à distância, semelhantes a alaúdes ou a bandolins e que têm o instigante nome de Bouzuki.Outros sopravam uma estranha gaita de fole que depois me disseram chamar-se Tsampuna.
E cantando começam a fazer uma roda em torno das mesas. Em seguida carregam com eles toda a freguesia. E um imenso cordão se forma. Um cordão que sai por uma porta, avança pela calçada em frente, vai angariando novos adeptos entre os passantes da rua e retorna ao salão por outra porta, fazendo este circuito inúmeras vezes. Até que exaustos nos sentamos todos novamente em nossos lugares. E a casa que antes parecia estar se esvaziando, novamente locupletada fica.
Então entendi. Foi numa roda assim que lá para dentro havíamos sido aspiradas. E fomos partícipes deste estonteante e divertido estilo de publicidade de um restaurante grego em plena Paris.
Seria nosso último dia na Cidade Luz. Acomodamos nossa bagagem nos carrinhos elá fomos nós a desfilar pelas subterrâneas esteiras e escadas rolantes em busca do metrô que nos deixaria na Gare du Nord, a estação onde tomaríamos o trem rumo às costas do lado doAtlântico. Acomodamos tudo nos guarda-volumes. Marcamos, devidamente, os nossos tíquetes tanto para a viagem por via férrea como na do barco que, à noite, nos deixaria nas costas da Inglaterra.

E saímos apenas com nossas bolsas a tiracolo para as derradeiras andanças. Preciso era ver o incrível monumento que é a Ópera Garnier. Uma construção que mescla, segundo informações do folder que lá peguei, estilos barroco e renascimento italiano.
Achei linda a sua fachada com esculturas que por si só já valiam o ter ido até ali. Mas, para mim, o importante era o seu interior. Se não para apreciar seu estonteante teto e as artísticas obras lá expostas, para ver o local onde Gaston Leroux se inspirou para escrever o fantástico romance “Fantasma da Ópera”.
Mas, mais um dia de aventuras em Paris ainda viveríamos.
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