Memórias do alfaiate

JMais homenageia João Linzmeier, que morreu nesta semana aos 85 anos                      

 

 

João Linzmeier morreu na segunda-feira, 16, aos 85 anos, em decorrência de insuficiência pulmonar e cardíaca. Um dos pioneiros do comércio canoinhense, Linzmeier concedeu entrevista à coluna Nosso Povo, Nossa História do jornal Correio do Norte em 2006. Leia abaixo na íntegra:

 

 

Dizem que quem passou por grandes provações na vida, carrega no rosto uma expressão de angústia e amargura. Se essa é uma regra, existe pelo menos uma exceção que atende pelo nome de João Linzmeier, conhecido por manter um dos comércios mais tradicionais de Canoinhas. A Loja Preferida existe desde 1960, localizada na rua Francisco de Paula Pereira, principal da cidade. Mas a história de João começa em uma época em que ele nem imaginava que teria um dia, o que tem hoje. Não pela idade, mas pelas privações de uma vida órfã e sofrida.

 

 

PEÇAS PREGADAS PELA VIDA

João nasceu e morou em Itaiópolis até a adolescência. Aos 10 anos perdeu o pai. Uma tora caiu em cima de Engelberto Linzmeier quando tentava acomodá-la em um carretão – meio de transporte de carga pesada muito usada nas serrarias do início do século 20.

 

 

Cinco anos depois, Maria, mãe de João, morreu em uma mesa de cirurgia. Foi quando João percebeu definitivamente que precisava encontrar um rumo, que a perda dos pais era como um ultimato para seu amadurecimento.

 

 

Foi com o irmão mais velho, Francisco, que João aprendeu o ofício de alfaiate. Dois anos depois da morte da mãe, estava em Canoinhas para trabalhar na famosa loja Renner, especializada em alfaiataria. A única família de João era os que com ele, dividiam a pensão de João Neuberger, na rua Francisco de Paula Pereira, então, uma rua de chão batido, com poucas casas e comércios. Era início da década de 1950 e o ‘centro’ de Canoinhas estava na rua Vidal Ramos. A Renner, inclusive, estava localizada em frente à prefeitura, onde hoje está o Fórum da Comarca. Até 1953, João trabalhou na Renner. Acabou voltando para Itaiópolis, trabalhou outros cinco anos com Francisco e acabou comprando a alfaiataria do irmão. Casou com Emília Schadeck, com quem teria cinco filhos.

 

 

O casamento o levou para Mafra, na localidade de Augusto Vitória, onde cuidou por três anos da fazenda do sogro.

 

Linzmeier trabalha em sua máquina de costura/Arquivo da família

A VOLTA

João, a mulher e o filho mais velho, chegaram em Canoinhas no início da década de 1960. João estava decidido a criar raízes na cidade. Começou pelo que melhor sabia fazer. Foi na Alfaiataria Popular, de Otto Hoeffner, que ficava próximo do Arroio Monjolo, que João recomeçou em Canoinhas. Pouco tempo depois, juntava suas economias, incluindo o dinheiro da venda da alfaiataria que era do irmão, e comprava a propriedade de Adão Franke, na rua Francisco de Paula Pereira. Ali, João e Emília criaram os filhos e construíram a loja Preferida. Inicialmente, a especialidade da loja era alfaiataria, numa época em que a cidade tinha pelo menos 20 alfaiates. Com a mudança de conceito, que levou as pessoas a considerarem a praticidade de se comprar a roupa pronta, a Preferida também precisou se adaptar. Com isso, João foi abandonando, aos poucos a profissão de alfaiate para se firmar cada vez mais como comerciante.

 

 

CANOINHAS

Por ter testemunhado meio século da história da cidade, João arrisca alguns palpites sobre fatores que atrasaram o desenvolvimento de Canoinhas. “A cidade evoluiu bastante, mas poderia ter evoluído mais se dezenas de madeireiras não tivessem falido”. O segundo obstáculo do crescimento, apontado por João, é um problema nacional – a alta carga tributária.

 

 

Como bons prefeitos que passaram pela prefeitura de Canoinhas, João destaca o trabalho de Benedito Therézio de Carvalho e o primeiro mandato de José João Klempous, embora odeie se envolver em política. “Antes ainda era mais fácil ser prefeito, hoje tem que administrar contas e ouvir besteiras”, compara.

 

O casamento com Emília/Arquivo da família

 

Com a esposa, Emília/Arquivo da família

RUA FRANCISCO DE PAULA PEREIRA

A rua Francisco de Paula Pereira, hoje principal de Canoinhas, já teve época de chão batido e muito mato. Nos anos 1950, lembra João, poucas casas e comércios existiam na rua. O maior comércio era o da família Zugman, onde hoje está o Supermercado Novo Mundo. Havia Virgilio Trevisani e sua sapataria, Café Woitexen, Leopoldo Buba e seu ‘Bodegão’, o barzinho com sinuca do Valfrido Langer, a alfaiataria de Antonio Burgardt, o bar e padaria Guarani, onde hoje está a loja MG e a famosa Casa Erlita, hoje Doces e Fricotes.

 

 

“Quando eu cheguei em Canoinhas, me parece que não existia a praça Osvaldo de Oliveira, se tinha era muito feia, um matagal”, ironiza.

 

 

Foi na Francisco de Paula Pereira, lembra João, que os ônibus começaram a substituir os trens. “Os ônibus da União Catarinense saiam da frente da oficina do Moreschi (na esquina com a rua Barão do Rio Branco)”, conta.

 

 

ACIDENTE

Um acidente de carro em 1981 quase tirou a vida de João. Ele viajava de carona com o amigo Sérgio Trevisani. O carro saiu da pista em Rio Negrinho e caiu em um despenhadeiro. João ficou em coma por 13 dias. Levou quase dez anos para se recuperar completamente. “Nasci de novo”, acredita.

 

 

Experiências como essa, somadas a perda precoce dos pais e as privações da infância, levam João a agradecer pela vida que tem hoje. “É como um carro, para quem andou a pé a vida inteira, não sente falta. Mas deixe a pé quem está acostumado a um carro”, filosofa, com a certeza de quem aprendeu a ser paciente, mas nunca aceitou a derrota. Por isso, lutou e venceu.

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