Adair Dittrich busca inspiração na terra do escritor norte-americano Ernest Miller Hemingway
Muitas opções de rondas noturnas, a escolher, em Miami. Todas interessantes. Todas com apresentações de conjuntos musicais, variados coquetéis e o deslumbramento de se ver uma cidade com sua fantástica iluminação refletida nas águas do mar. Optamos por aquela que mais estaria ao encontro do nosso gosto.
Embarcamos num panorâmico ônibus muito antes do crepúsculo. Caímos de uma temperatura externa de mais de trinta graus para o interior de um gélido veículo que me fez recordar as nevascas de Bariloche. A fina estola de seda nada resolvia… O momento de saída do ônibus era acompanhado de suspiros de alívio.
De nosso passeio noturno constavam três locais diferentes nos quais poderíamos desfrutar longas horas de entretenimento. Começamos por um belvedere localizado na cobertura de um edifício muito alto. Um indescritível panorama a se perder de vista no longínquo horizonte inundado com o fogo dos reflexos de um sol que sobre as águas revoltas se deitava.
Foram servidos vários tipos de drinques. E entre os longos e curtos saboreamos um genuíno manhattan enquanto na fímbria distante do mar a claridade se consumia. Um conjunto de jazz adoçava esta nossa hora feliz de mais um dia que entregava suas luzes para a noite que se anunciava. Eram músicos que faziam o estilo Dizzy Gillespie de tocar. E enquanto eu ouvia aquelas clássicas melodias de uma época de ouro, meu pensamento voava fazendo a órbita da terra.
De volta ao nosso ônibus-freezer continuamos a, lentamente, percorrer ruas e avenidas, feericamente iluminadas, com nossa guia a relatar, minuciosamente, a história de cada monumento e de cada local por onde passávamos. Quase nada se via através das panorâmicas e escuras janelas do veículo que se encontravam hermeticamente fechadas para que o calor da noite não ousasse nele penetrar. A intenção desse mini clima gelado era impedir que todo mundo começasse a suar, estragando penteados, maquilagens e os trajes preparados para a deslumbrante noite…
Jantamos em um dos restaurantes do Hotel Fontenebleau, à época, o mais charmoso, o mais badalado e o mais caro de Miami, quiçá do país. Melodias apenas orquestradas, suavemente executadas, enchiam o ambiente. Pouco se ouvia dos timbales que marcavam o ritmo. O forte eram os violinos, os violoncelos, alguns afinados metais e um solo de piano. Lembrei-me de André Kostelanetz, Franck Pourcel e Paul Weston que, com suas orquestras, transformavam em clássicas as mais populares músicas de filmes.
Serviram-nos algo como entrada e depois o prato principal. Uma fatia de posta branca de gado coberta com um molho de coloração entre amarelo e beije, de uma sensaboria ímpar. Claro que, à nossa frente, os indefectíveis sal e pimenta para o devido tempero ao gosto de cada um. Para acompanhar, café preto com creme de leite. E um doce de leite como sobremesa.
Finalizamos nosso passeio noturno por Miami em um clube onde um espetáculo de acrobacias, bailados e luzes em enorme palco deixava o público em êxtase. Bailarinas de cancã com brilhantes e coloridos trajes. Atletas fazendo seus malabarismos. Um acompanhamento musical de primeira. Enfim, um espetáculo musical equivalente aos melhores de Hollywood ou da Broadway.
Foi longo o caminho de volta. Na ida, havíamos sido os primeiros a entrar no ônibus. Em decorrência, éramos apenas nós, dentro do veículo glacial, quando desembarcamos defronte ao nosso hotel. Dormi com o ar condicionado desligado na tentativa de aquecer o corpo que ficara quase cianótico e enregelado.
No dia seguinte, logo após o café da manhã, saímos em busca de uma locadora de carros. Programáramos um passeio pelas Ilhas Keys. Mais de cento e cinquenta quilômetros nos separavam da mais distante e a que entre elas mais me interessava conhecer, a Key West, onde residira Ernest Hemingway.
Foi, literalmente, uma viagem mais através do mar, do que por terra. Inúmeras são as ilhas principais, rodeadas de milhares de outras pequenas ao largo espalhadas. Pontes de muitos quilômetros as ligam em uma panorâmica rodovia.
Ouvíamos a programação das rádios locais no, então, possante aparelho, instalado no painel do carro. À medida que nos distanciávamos do burburinho de Miami, as músicas começaram a se tornar mais caribenhas, até que apenas sobraram, para ouvirmos, as rádios de Cuba.
Impressionante a construção das pontes. Eram muitos quilômetros passando sobre elas debruçadas sobre o oceano. A rodovia, em algumas ilhas tinha, talvez, um pouco mais de mil metros. E muitos milhares a separá-las. Não, não fizeram um aterro. Um aterro que faria das ilhas uma comprida península e detonaria o pujante ecossistema da região. Não, são pontes, longuíssimas pontes que interligam as ilhas. De um lado o Oceano Atlântico. Do outro o Golfo do México.
Não tínhamos pressa. O importante era ver as preciosidades de cada local. Uma mescla dos usos e costumes caribenhos com os do sul do país que visitávamos. Tanto as construções como a comida, a roupa e a música mostravam esta bela combinação.
Chegamos em Key West perto de meio dia. Um aprazível local defronte o mar foi o escolhido para saborearmos a especialidade local. Peixe grelhado na brasa, com temperos quase à nossa moda brasileira. E cerveja geladíssima para acompanhar.
O deleite máximo foi a visita à casa do autor de “Adeus às armas” e “O velho e o mar”. Ver a velha máquina de escrever onde nasceram tantas obras primas. Respirar o ar literário que impregna aquele ambiente. Saber que ali viveu alguém com uma inspiração fantástica e um fôlego inigualável para colocá-la, irretocavelmente, em língua inglesa, em folhas e mais folhas de branco papel.
A parte mais meridional de Key West dista apenas cento e cinquenta quilômetros de Cuba, onde Hemingway também viveu por muitos anos. Após visitarmos o antigo bar frequentado pelo famoso escritor, retornamos a Miami. Era hora já de comermos algo e encontramos no caminho um grande rancho que servia, segundo eles, um inigualável barbecue. Se não era o esperado churrasco, pelo menos matávamos a vontade de saborear uma carne assada diretamente no fogo. A falta do sal era apenas um pequeno detalhe ao qual eu já estava me acostumando.
À noite fomos procurar um recanto para a nossa despedida da tão decantada cidade. Enquanto saboreávamos uma cerveja com salsichas chega um grupo de rapazes morenos falando a nossa língua. Eram jogadores de um time de futebol de nossa terra que estava realizando uma turnê pela América. Foi um papo muito animado. Deram algumas dicas sobre a viagem que faríamos, rumo ao norte, no dia seguinte. E nós contamos de nossas andanças por Miami.
Um jovem casal que se encontrava em uma mesa ao nosso lado, vem falar conosco e, muito intrigados, perguntam que língua estranha era aquela que falávamos. Língua Portuguesa, dissemos. Queriam saber onde era falada. Explicamos. Não estavam entendendo nada. Éramos brasileiros e falávamos português. Sim, dissemos, bem como vocês, cidadãos dos Estados Unidos da América do Norte falando a língua da Inglaterra. Despediram-se sorrindo e desejando-nos uma bela estadia na terra deles.
Na outra manhã, bem cedo estávamos na free-way que nos levaria a nosso próximo destino.