Município notifica Hospital Santa Cruz por problemas no sobreaviso médico

Serviço contratado pelo Município custa R$ 220 mil por mês, mas médicos que são chamados em regime de plantão, não têm comparecido no Pronto Atendimento e no hospital

 

 

Sindicância aberta pelo Município de Canoinhas apontou uma série de falhas no serviço de sobreaviso médico, contratado pelo Município junto ao Hospital Santa Cruz (HSCC). O serviço deveria ser acionada a qualquer hora do dia toda a vez que um paciente que ingresse no Pronto Atendimento (PA) ou no hospital necessitar de um profissional especialista. São sete as especialidades contratadas –  ortopedia/traumatologia, cirurgia geral, anestesiologia, pediatria, clínica médica, neurocirurgia e neuroclínica. Os plantonistas têm 30 minutos para comparecerem no hospital ou no PA assim que chamados.

 

 

As falhas foram detalhadas em relatório que foi encaminhado ao HSCC. “Diversos relatos de profissionais e pacientes apontam possíveis irregularidades na execução dos serviços e o descumprimento das obrigações assumidas pela contratada, em especial, o não comparecimento à Unidade de Pronto Atendimento quando acionados e dificuldade de contatar o profissional médico de sobreaviso”, traz o relatório.

 

 

O Hospital apenas se manifestou de forma genérica, dizendo que “os médicos têm cumprido com suas escalas” e que “as reclamações foram repassadas aos médicos de todas as especialidades citadas, sendo que foram alertados que não serão aceitas a continuidade das faltas cometidas”.

 

 

Porém, em respeito ao contrato, o Município de Canoinhas aplicou multa de 20% sobre o valor do empenho mensal, das despesas com o sobreaviso.

 

 

 

Ao JMais, o administrador do HSCC, Derby Fontana, disse que “não fomos notificados até o momento. Se recebermos, vamos analisar e tomar ciência, tomando as devidas providências”.

 

 

Das oito reclamações publicadas no relatório da sindicância, a metade se refere ao sobreaviso de Pediatria. A maioria das reclamações é de que a médica orientou os enfermeiros por telefone e não compareceu ao hospital e ao PA quando chamada.

 

 

A especialista em Neurologia tem duas reclamações contra ela. Em uma delas, ela substituiu o plantonista de Neurocirurgia, mas não compareceu quando chamada.

 

 

Problema mais sério foi relatado com relação ao plantonista de clínica médica. O plantonista da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HSCC foi chamado depois de o paciente, que acabou morrendo, ter passado mal. O médico de sobreaviso tinha sido contatado por telefone pelo menos duas vezes antes da morte. Ele passou orientações, mas só foi ao hospital horas depois. Quando chegou o paciente já tinha falecido.

 

 

Os casos são transcritos abaixo conforme constam no relatório da sindicância, com omissão dos nomes envolvidos por se tratar de prontuários médicos e apenas com eventuais correções gramaticais. Ele foi publicado na íntegra no Diário Oficial dos Municípios desta sexta-feira, 29.

 

 

 

 

AS RECLAMAÇÕES

1. Atendimento de J. R. O.: No dia 03/03/2018, às 23h30min, foi entrado em contato com o plantão de sobreaviso em pediatria, que indica observar a criança até o dia seguinte, e avisar a pediatra se não tiver melhora.

Ou seja, não compareceu até a Unidade de Pronto Atendimento para examinar o paciente.

 

 

2. Atendimento de M. A. de P.: No dia 26/03/2018, às 14h38min, o médico de plantão entrou em contato com a médica de sobreaviso na pediatria, que orientou deixar a criança em observação durante a noite, avaliar prostração e curva glicêmica, avisar a pediatra para vir avaliar no PA e caso estável, liberar com encaminhamento para consultar via ambulatorial com pediatra. […] Às 21h40min realizou-se contato com o Hospital Infantil de Joinville, que aceitou a paciente com quadro de abdome agudo – Apendicite Aguda. Igualmente, a médica não compareceu quando acionada para examinar a paciente, orientando encaminhamento para consulta ambulatorial posteriormente.

 

 

3. Atendimento de B. F. M. C.: No dia 04/07/2018, às 07h37min, contatou-se com a pediatra de sobreaviso. Por telefone a médica deu a hipótese diagnóstica de Bronquiolite/Prematuridade. Orientou: inalação SF 0,9 de 1h/1h até às 12 horas, quando iria examinar a criança. Às 12h00min a médica comunicou que não iria. Orientou a mãe retornar no ambulatório no dia seguinte. No dia 05/07/2018, às 15h45min, a paciente é recebida na UPA 24h de Canoinhas, sendo transferida do P. A. de Três Barras, apresentando quadro de insuficiência respiratória. Às 15h53min, avisada a pediatra de plantão de sobreaviso. Às 16h19min, a médica avaliou a criança e solicitou a transferência para outro Hospital. Neste caso, quando acionada, no início da manhã, a profissional médica de sobreaviso apenas deu orientações por telefone, se comprometeu a avaliar a paciente aproximadamente quatro horas após ser acionada e, no fim, não compareceu para prestar seu atendimento, orientando, por telefone, que a mãe deveria comparecer ao ambulatório no dia seguinte.

 

 

4. Atendimento de A. C. S.: No dia 15 de agosto de 2018, após cuidados iniciais com a paciente, às 23h24min foi entrado em contato com a médica de plantão de sobreaviso, a médica, que informou que a paciente foi examinada por ela  pela manhã, na enfermaria pediátrica do HSCC, recebendo alta hospitalar por melhora do estado geral, exames normais, e, com retorno para sexta-feira. Contrariando a orientação da pediatra, os médicos de plantão insistiram e permaneceram com a paciente A. C. S em observação nas dependências da UPA 24h. No dia 16 de agosto, às 7h50min, o médico de plantão entrou em contato novamente com a médica de sobreaviso na Pediatria, a médica, informando que a paciente não se encontrava bem e não poderia ser liberada para casa. Às 08h13min, a médica entrou em contato via telefone com o médico de plantão da UPA 24h e aceitou a reinternação de A. C. S. Novamente a pediatra não compareceu para prestar seu atendimento e, ainda, sem examinar a paciente no momento em que fora acionada, orientou que fosse liberada.

 

5. Atendimento de K. J. W.: No dia 20/07/2018, às 05h47min, foi iniciado o atendimento da paciente, que referiu dificuldade de movimentar braços e pernas. Referiu diminuição da força muscular. Às 10h45min o médico plantonista tentou contato com a médica de sobreaviso na área da neurologia, porém não conseguiu. Às 11h30min, tentou contato novamente e, mais uma vez, não conseguiu. A médica retornou a ligação às 11h42min e orientou a realização de tomografia computadorizada de crânio. Às 14h30min a paciente apresentou diminuição da força muscular em mãos (D e E) e em coxa e perna esquerdas. O médico de plantão entrou em contato com a médica, que, então, solicitou a avaliar a paciente em seu consultório. O médico de plantão relatou a dificuldade da paciente para deambular, mas, mesmo assim, solicitou a ambulância para deslocar a paciente, que não conseguiu se movimentar mesmo com a ajuda da equipe e de familiares. O médico plantonista retornou para a médica neurologista de sobreaviso relatando a impossibilidade de transferência para o consultório médico. Então, a neurologista determinou a internação da paciente e realização do exame de ressonância magnética de crânio e coluna cervical. Somente às 17h50min a neurologista de sobreaviso chegou à UPA 24h para examinar a paciente.

 

6. Atendimento de C. A. P.: o paciente chegou à Unidade de Pronto Atendimento 24h, encaminhado pela Dra. Vera, da Policlínica Municipal, após contato telefônico. Paciente portador de insuficiência cardíaca de longa data, apresentando-se lúcido, orientado, deambulando, com dificuldade e com edema de pernas. Às 11h02min foi entrado em contato com o médico de plantão de sobreaviso na especialidade de Clínica Médica do Hospital Santa Cruz, que aceitou o paciente sob os seus cuidados através de convênio SUS, sendo o paciente transferido ao HSCC. Às 14h00min novamente foi entrado em contato com o médico de plantão de sobreaviso na especialidade de Clínica Médica, cujo paciente estava sob os seus cuidados, e que até aquele momento ainda não havia comparecido ao hospital para examinar o paciente. A enfermagem descreveu para o especialista o quadro clínico do paciente de 47 anos, portador de cardiopatia de longa data; hipotensão arterial sistêmica, cianose de extremidades, edema de membros inferiores, dor no peito. O relatório de enfermagem destaca que o médico “não dá importância para a enfermagem”, apenas orienta administrar soro fisiológico 1000ml EV em bolus e desliga o telefone. Então a enfermaria orientou realizar eletrocardiograma do paciente e entrou em contato com o médico que estava de plantão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Cruz e é informada de que não havia vaga para receber o paciente na UTI. Às 17h05min, sem a assistência do médico de plantão de sobreaviso na especialidade da Clínica Médica, a enfermagem solicitou a ajuda do médico de plantão na UTI, que, ao examinar o paciente, suspendeu o soro fisiológico em bolus e prescreveu drogas vasoativas. Às 21h00min, o paciente sofre uma parada cardiorespiratória súbita. A enfermagem pediu ajuda ao médico plantonista da UTI, sendo o paciente assistido pelo plantonista da UTI, que se desloca da UTI para a enfermaria. Às 21h25min o paciente veio a óbito por parada cardiorespiraória. Acerca de tais fatos, o plantonista da UTI, que se deslocou da UTI até à enfermaria para atender o paciente em questão, devido ao não comparecimento do profissional médico de sobreaviso na área da Clinica Médica, relatou à direção do HSCC:

Relato de ocorrência de 28/03/2018

Por volta das 21 horas fui chamado na UTI para deslocar-me à ala 300 do HSCC, por causa de um paciente em parada cardíaca. Prontamente segui ao quarto do paciente (mesmo com dificuldade por causa de uma queimadura por abrasão no joelho). Iniciamos o protocolo ACLS para o paciente que em 25 min de RCP de alta qualidade não respondeu às manobras, sendo decretado o óbito às 21:25 h.
Desde o início do procedimento o médico assistente foi contactado para que se fizesse presente, pois o paciente estava passando pela maior emergência dentro da medicina.
O médico assistente chegou após o paciente já haver falecido.
Encontrei o colega no corredor, o qual cumprimentei com serenidade e cordialidade, apresentei-me e iniciei a passagem de caso. “Acabei de manejar um paciente seu que sofreu uma pcr por choque cardiogênico resultado de uma miocardiopaia dilatada…” Quando estava ainda passando o caso, o médico de forma arrogante em voz alta exclamou: “Quem mandou me chamar?, porque me chamaram com urgência?”
O referido colega manteve-se alterado mesmo com a tentativa serena de explicar novamente o caso. Neste momento, de forma rude, voltando os braços para trás e estufando o tórax novamente repetiu as arguições. Neste momento ao sentir-me humilhado e ultrajado, já que fizera meu papel mesmo com dores estava ali sendo insultado por tamanha arrogância, respondi a altura de seu “piti”. A partir de então, (o médico de sobreaviso) apenas fez perguntas de quem eu era, de onde vim e outras coisas pessoais tanto a mim e a enfermeira da unidade. Em nenhum momento pareceu preocupado com o paciente ou suas condições clínicas.
Relato o caso por este ter apresentado algumas estranhezas. As quais solicito formalmente investigação:
a – O paciente havia sido internado as 13h33 e desde então não havia sido avaliado pelo médico assistente de sobreaviso, mesmo sendo um paciente em estado grave.
b – O médico de sobreaviso foi avisado que o paciente não estava bem (ou seja, evoluindo com piora clínica) por volta das 16h30 conforme registro da enfermagem, este pediu para que fizessem solução fisiológica e desligou o telefone (SIC)
c – A arrogância e nervosismo por ter de vir ao hospital sendo que o colega é um servidor público pago com dinheiro da sociedade para prestar este serviço. […]” (sem grifo no original).

 

 

7. Por sua vez, no livro de registro de ocorrências da Unidade de Pronto Atendimento do dia 23 de março de 2018 (fl. 26), consta o seguinte registro:
“Ainda sobre o pcte P.A.K., após TACs verificou-se possível fratura em coluna cervical, tentado diversas vezes contato com a médica(sobreaviso da neurologia) porém sem sucesso, sendo necessário recorrer ao Dr. Andrei, o mesmo, após verificar as imagens de TAC orientou internação sob seus cuidados”.

 

8. No dia 14 de abril de 2018:
“[…] Tivemos problemas com o sobreaviso da neurocirurgia: na escala estava Dr. Andrei. Houve troca com a médica mas não nos informaram. Houve atraso na definição de condutas porque encontramos dificuldade em estabelecer contato com o Dr. Andrei (quase 2 horas de tentativas) e quando estabelecido fomos informados da troca com a especialista em Neurologia. Esta foi então acionada para avaliação do paciente supracitado e após averiguar as imagens da TAC (não compareceu para avaliação presencial) informou que não se tratava de tratamento cirúrgico e sim expectante (TCE grave) e que poderíamos encaminhar o paciente para a UTI. Considerando a instabilidade em que se encontrava, optamos por mantê-lo na unidade, não havia condições de colocá-lo na ambulância e interná-lo, instabilidade hemodinâmica; veio a óbito como já relatado.”

 

 

ENTENDA

O Município de Canoinhas contrata o Hospital Santa Cruz de Canoinhas para que ofereça o serviço de sete especialidades médicas para atuar no sobreaviso do Pronto Atendimento e no próprio hospital.  As especialidades são ortopedia/traumatologia, cirurgia geral, anestesiologia, pediatria, clinica médica, neurocirurgia e neuroclínica.

 

Para cada plantão de sobreaviso, o Município paga R$ 1.019,00.

 

Como são 13 médicos que estão na escala de sobreaviso, o Município repassa por mês para o Hospital Santa Cruz em torno de R$ 220 mil.

 

Assim, os médicos que atuam no sobreaviso não são servidores do Município, mas tão somente possuem vínculo com o Hospital Santa Cruz.

Rolar para cima