São inúmeros os palácios ao longo destas vias que cruzam o miolo de Piacenza
A manhã de meu primeiro dia em Piacenza esgotava-se rapidamente. Eu tinha, ainda, um longo trecho a percorrer no circuito que estava fazendo pelas ruas rodeadas de palácios e igrejas e demais construções medievais.
Caminhando a esmo descubro muralhas. Muralhas que ladeavam um grande palácio. Muralhas que ladeavam o que fora o Palácio da Família Farnese, construído no século XVI. Palácio que sedia o mais importante museu da região de Piacenza, o Museu Cívico.

Era uma manhã de domingo e toda esta arquitetura eu só consegui apreciar pelo lado de fora. Lá estavam os fossos, as pontes levadiças que funcionavam como portais. No grande pórtico de entrada um grande mural onde eu pude ler, apenas ler, tudo o que estava fadada a não ver. Entre elas a foto da mais famosa relíquia da civilização pré-romana. O Fígado de Bronze de Piacenza. Com inscrições em várias partes de sua superfície. E que, segundo descrições que ali eu li, serviam, possivelmente, para adivinhações.
São inúmeros os palácios ao longo destas vias que cruzam o miolo de Piacenza envolto por muralhas. Entre eles o Pallazo da Condessa Arcelia Filomena Fontana. Deve ter pertencido a alguém da família da mãe de meu Nonno Pedro Gobbi, que também tinha este nome. Mas que perdeu o título de Condessa ao se casar com Emilio Gobbi, um advogado plebeu.
Cruzei tantas ruas, ultrapassei tantas vielas, olhando, quase sempre para o alto, a fim de admirar as fachadas, com seu altos e baixos relevos, as incrustações e as colunatas esplêndidas e não consegui tropeçar em nenhuma pedra solta, não consegui torcer os pés em nenhum buraco. Porque, em todo aquele trecho, que naquela manhã percorri, estes obstáculos, simplesmente, não existem. Bom, sobre calçadas de mármore eu lá pisei.
E naquele labirinto todo imaginei-me já perdida. Que o meu hotel tão cedo eu não encontraria. Subitamente, ao deixar uma das vielas, ei-lo à minha frente.
Logo em seguida tomo o carro que me levaria para o local dos meus sonhos. Para o ponto de confluência do Trebbia com o Pó. O rio, que eu imagino ser o local cruzado por meu bisavô, para ir ao castelo da outra margem para se encontrar com sua amada.
O Pó é o mais longo e o mais importante rio da Itália. Mas não é dele que eu falo. Eu queria ver o Trebbia jogar suas águas nele. Ver o Trebbia que distante ficava.
Percorremos um longo trecho dentro da cidade. Dentro e fora das muralhas. Porque, lógico, a cidade não ficou circunscrita aos tempos do medievo. Estendeu-se pelas planuras além.
Ao longo destas antigas muralhas, um extenso jardim que, em verde, ameniza os olhos e o ar com seu frescor.
Percorremos um longo trecho de uma Piacenza mais moderna, com inúmeros edifícios de apartamentos, mas nada que ultrapasse seis ou sete pavimentos. Ruas arborizadas, repletas de pinheiros italianos. Árvores centenárias margeando as vias, adornando jardins. Alamedas sem fim recobertas de vegetação em plena cidade. Ciprestes preservados, cuidados. Notava-se, a cada passo, a importância da vegetação a fim de que, em pleno período de estiagem, como aquele do momento em que por lá eu me encontrava, a água não faltasse.
Vagávamos ao longo de uma rodovia rural. Ao lado, muitas vezes, os trilhos da ferrovia. No horizonte, não muito distante, algumas montanhas mais altas. Ao alcance dos olhos, as colinas para onde nos dirigíamos.
Não consegui chegar a tempo a fim de tomar uma van de turismo que faz aquele passeio pelo entorno de Piacenza. Dele, só muitas horas mais tarde tomei conhecimento. Mas a minha incursão para a região do Trebbia eu não perderia.

E eis que ele surge ante os meus olhos. Não aquele rio de águas turbulentas e caudalosas, que em muitas imagens eu já vira. A estiagem o relegara a um sem fim de filetes de água, cascateando entre seixos rolados, que rebrilhavam em uma miríade de cores à luz daquele sol esfuziante.
Estávamos em plena rodovia. A ponte era larga e era longa. Pedi ao motorista para rodar por ela, vagarosamente, a fim de que melhor eu pudesse apreciar toda aquela exuberância. Queria descer até as suas margens. Mas as escarpas eram íngremes e perigosas. Estavam tão lá embaixo, devido à seca.

Seguimos em frente. Em direção ao Castello di Rivalta, uma suntuosa residência, que mais acima, em suas margens, se situava. Circundado por um magnífico parque, àquela hora, já quase repleto de veículos estacionados. Chegamos até o ponto, a partir do qual só se segue a pé para conhecer o burgo.
Não que fosse uma íngreme subida até o grande pórtico de entrada do castelo. Mas era um local sob as sombras de ciprestes centenários, com filetes de límpida água que da colina escorriam e com abundantes seixos rolados trazidos do Trebbia, provavelmente.
Então o florido encanto, o verdejante encanto surge antes os meus olhos. Não sabia por onde começar as incursões naquele espaço de encantos. Restaurantes e bodegas, trattorias e bares, tendas e boutiques incrustadas naquelas construções medievais. Sempre com verdes ramagens pendentes do alto de colunatas e balcões. Sempre com coloridas flores entremeando os espaços.
Foi um rápido passar por dentre as salas do castelo. Apreciar afrescos e retratos que inspirados artistas por lá deixaram nos séculos que se foram. Ver as pratarias e os cristais, as porcelanas e os móveis numa tentativa de imaginar personagens que por infindáveis anos por ali transitaram.
Mas era tempo de procurar uma trattoria para algo comer. Ao longo de construções, que no passado fizeram parte da vida dos fidalgos que lá residiam, encontrei aquela que, entre jardins, mais simpática me pareceu. Pedi um prato com queijos e salames da região. Uma variedade das iguarias, artesanalmente feitas na campanha entorno, chegou em meio a uma floresta de manjericão. Com uma bela taça de vinho. Da casa, naturalmente.
Do avarandado onde degustava aquele prazeroso prato avistava, bem de perto, a imponente torre do castelo e as frondosas ramagens que, de tantos balcões e janelas, pendiam até o chão. Um vergel o caminho todo à minha frente.

Ao fundo, a Collegiata di Santa Maria. A igreja. Porque todo o castelo ou palácio que se prezasse deveria ter a sua capela, o seu recanto espiritual onde o povo era recebido para louvar o Senhor.
Depois de muito andar por ali era hora de conhecer outro canto que jamais deveria ser deixado de lado por quem Piacenza visitasse. Era o Castell’Arquato. Foi uma passagem mais rápida por lá. Quase um leve vislumbrar por fora e um rápido andar por dentro de suas muralhas. Assim, como se fora um trailer. Com a finalidade de lá um dia se retornar para melhor a tudo se ver.
Já o crepúsculo do entardecer jogava suas tintas pelos horizontes de Piacenza quando ao hotel retornei.