No auge, H1N1 infectou mais de 100 e deixou três mortos em Canoinhas em 2009

Novo coronavírus, no entanto, não pode ser encarado como uma reprise do que aconteceu em 2009

 

 

 

Máscaras no rosto, ambientes ventilados, eventos cancelados e medo do desconhecido. Esse cenário te parece familiar, mas descreve uma realidade de 2009. Este pode ser o resumo do assunto que dominou o noticiário mundial entre maio e setembro daquele ano. A gripe suína, depois rebatizada de gripe H1N1 ou Influenza A, surgiu no México e se espalhou rapidamente pelo mundo.

 

Infográfico publicado em 2009 pelo jornal O Estado de S.Paulo mostra como o H1N1 se comporta/Reprodução

 

No Brasil, segundo levantamento do Ministério da Saúde, 1.368 pessoas morreram entre 17.219 pessoas que contraíram a gripe H1N1.

 

 

 

Em Canoinhas, três mortes foram registradas e 66 casos da doença passaram pelo Ambulatório de Epidemiologia do município. A enfermeira Iolanda da Silveira, que coordenava o Ambulatório à época, acredita que este número tenha sido maior. Muitos tiveram a gripe e nem sabem, já que conseguiram se livrar do vírus sem a necessidade de procurar um médico.

 

Infográfico publicado no jornal Correio do Norte em 2009/Reprodução

 

O vírus levou o Hospital Santa Cruz a isolar a pediatria somente para pacientes da nova gripe. Um Ambulatório de Campanha funcionou por dois meses do lado de fora do Pronto Atendimento Municipal.

 

Capa do jornal Correio do Norte de 7 de agosto de 2009

 

Na região, a gripe H1N1 apareceu com menor intensidade, mas fez pelo menos duas vítimas fatais em Três Barras e uma em Papanduva em 2009.

 

 

 

 

ESTADO

A última atualização no Estado de Santa Catarina, realizada no final de outubro  de 2009, aponta que 100 pessoas morreram vítimas do H1N1 no Estado. Havia 1.373 casos da gripe confirmados que estavam em tratamento. A chegada do verão fez o vírus recuar e a Secretaria de Saúde parou a contagem.

 

 

 

Em 2010 os postos de Saúde passaram a oferecer a vacina, que é aplicada até hoje.

 

 

 

 

SEM COMPARAÇÃO

Secretaria de Saúde, Katia Oliscowicz/Divulgação

Apesar de ter sintomas semelhantes ao coronavírus, não é possível compará-lo ao H1N1. A secretária de Saúde de Canoinhas, Katia Oleskovicz, explica que o H1N1 é menos transmissível. Uma pessoa contaminada pode transmitir o H1N1 para até 1,4 pessoa ao seu redor. Já o Covid-19 é transmissível para até 4,37 pessoas. “A contaminação é muito rápida. O H1N1 leva de três a sete dias para apresentar os sintomas, a pessoa começava a se tratar e deixava de transmitir para outras pessoas. Em relação ao Covid-19 leva até 14 dias para apresentar sintomas, é mais tempo transmitindo o vírus, portanto. No caso do H1N1 havia antirretrovirais muito eficientes, como o Tamiflu, mas hoje não temos nenhum medicamento comprovadamente eficiente contra o Covid”, alerta a enfermeira.

 

 

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta/Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta concorda com Kátia. Em entrevista coletiva neste sábado, 28, ele disse que “na H1N1, existia uma perspectiva de vacina, porque era do grupo da influenza”, explicou o ministro. “Não há receita de bolo. Quem raciocinar pensando que essa aqui foi assim, vai errar feio”.

 

 

 

“Aqueles que fazem prognósticos positivos, de que não vai acontecer nada, são os que eu mais rezo para que estejam certos. Aqueles que fazem provisões catastróficas, de que o mundo vai acabar, são os que eu mais rezo para que estejam errados”, completou.

 

 

 

O ministro também criticou o discurso a favor do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. “Cloroquina não é panaceia. Não é o remédio que veio para salvar a humanidade”.

 

 

Mandetta disse ainda que o lockdown —como é chamada a interdição total do sistema econômico e social, adotado em países como a Itália— não deve ser aplicado no país. “A última vez que foi usada quarentena no Brasil foi em 1917. Ninguém tem esse parâmetro. Não é apontar o dedo para governador A, B ou C e prefeitos A, B ou C”, disse.

 

 

 

 

Kátia alerta para a melhora no sistema de notificação de casos, hoje melhor que em 2009, o que leva a mais informações sobre o avanço da pandemia, porém, ela admite que há subnotificação (casos não identificados) agora tanto quanto ocorreu em 2009.

 

 

 

GRIPE ESPANHOLA

Gripário em um acampamento militar americano na França durante a 1ª Guerra Mundial/Wikimedia

Em termos de proporção, a atual pandemia encontra pelo menos um paralelo na história recente: a gripe espanhola de 1918, que matou entre 25 e 50 milhões de pessoas, em geral entre 20 e 40 anos, de 1918 a 1920. Ganhou esse nome justamente por um fator que a fez se propagar tão rapidamente. Neutra na 1ª Guerra Mundial, a Espanha era a única nação a divulgar claramente as informações sobre a epidemia, ao contrário de boa parte do globo, em guerra e contando, além dos mortos dos campos de batalha, os cadáveres que a gripe deixava, sem qualquer esclarecimento à população.

 

 

 

No Brasil em poucos meses a epidemia matou 5.300 paulistanos, o equivalente a 1% da população da capital, e foi tão intensa que os mortos se acumulavam nas ruas até serem recolhidos; a cidade do Rio de Janeiro viveu uma situação similar.

 

 

 

Embora em outro contexto histórico – não havia equipamentos de proteção para quem atendia os doentes, as pessoas morriam em geral em suas próprias casas e não se conhecia ainda o material genético dos vírus –, a epidemia de gripe também gerou desorganização econômica e social, já que os portos, o transporte e outros serviços públicos pararam de funcionar.

 

Brasileiras usam máscara para evitar o contágio da gripe espanhola em 1918/Acervo Jornal O Globo

“Em todo o mundo, o discurso das autoridades do governo sobre o controle da epidemia conflitava com a imensa dificuldade das equipes dos serviços de saúde em atender as pessoas doentes”, diz a historiadora Anny Torres, professora das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (UFOP) e autora do livro Influenza espanhola e a cidade planejada: Belo Horizonte, 1918 (Fino Traço, 2007) à revista de pesquisa da Fapesp.

 

 

 

Segundo ela, uma diferença entre as duas pandemias é que em 1919 os médicos diziam que era ineficaz decretar quarentena e fechar fronteiras porque era impossível deter o avanço da doença. Em sua pesquisa sobre a gripe espanhola na capital mineira, Torres verificou que as autoridades tomavam medidas preventivas para não serem criticados publicamente e para a população se acalmar.

 

 

 

Também houve ganhos. “A gripe destravou o debate sobre a criação, efetivada em 1919, do Departamento Nacional de Saúde Pública, vencendo as resistências dos estados, principalmente São Paulo, diante da necessidade de coordenar as ações contra a epidemia em todo o país”, afirma o cientista político e historiador da saúde Gilberto Hochman, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro e autor de A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil (Hucitec, 2013) à revista a Fapesp.

 

 

 

“A gripe espanhola expôs os limites e levou a uma valorização do sistema público de saúde, indispensável para enfrentar uma epidemia, e dos profissionais da área médica“, diz ele.
A situação se repete em 2020: “Não há leitos suficientes, notificação precisa e acolhimento possível para todos, mas somente o Sistema Único de Saúde será capaz desse enfrentamento, embora não tenha recebido os investimentos necessários nos últimos anos, porque só ele possui tecnologia e histórico de enfrentamento de doenças e epidemias”, diz o historiador André Mota, da Faculdade de Medicina da USP. “O SUS precisará ser rapidamente revitalizado e entendido como suporte central para quaisquer medidas de controle.”

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