Pelos interstícios de Roma

Àquela hora os termômetros marcavam 32ºC. E deliciei-me com o frescor daquele espaço

 

 

 

O sol ainda viajava pelas alturas do espaço azul quando desembarcamos de nosso ônibus, defronte ao hotel que seria a nossa morada em Roma. Creio que ele se situa dentro de dois quarteirões inteiros. Ou mais. Próximo da linha do metrô que circula sob a Via Aurélia Antica.

 

 

 

 

Tudo naquele hotel é grande. A começar pelo imenso salão da recepção. De posse de minha chave, tomei o ascensor para o meu andar e fui em busca de minhas acomodações. Procurar, naquele labirinto, que apareceu logo após a saída do elevador, o corredor que eu deveria percorrer foi uma via sacra.

 

 

 

 

Meus amigos paulistas, cientes de nossa curta estadia na Cidade Eterna, sairiam para o seu primeiro passeio assim que acomodassem seus pertences. Não poderiam perder tempo e, naquele fim de tarde, já iriam diretamente para o Coliseu. Agradeci o convite para acompanhá-los.

 

 

 

 

Era hora de pesquisar o hotel e procurar uma água gelada. Ao longo do térreo, salões e mais salões. Solários. Boutiques. E encontrei o caminho para o bar da piscina. Imensa cobertura ao redor de um espaço aquático rodeado de mesas e mesinhas. Ao fundo, bosques. Com palmeiras, pinheiros e ciprestes. Eu me encontrava num paraíso tropical?

 

 

 

 

Àquela hora os termômetros marcavam 32ºC. E deliciei-me com o frescor daquele espaço.

 

 

 

 

Intrigada por não haver encontrado um frigobar no apartamento perguntei para a moça do bar se era eu que não havia descoberto em que escaninho ele estaria escondido. Não, não havia frigobar. Mas no corredor que saía logo à esquerda do elevador eu poderia encontrar um Snack-Bar. Era só colocar notas ou moedas de euros no local indicado e apertar o botão que tudo lá eu encontraria. E achar qual corredor, naquela estrela de corredores que se abriam em todas as direções…

 

 

 

 

Como no dia seguinte teríamos uma intensa programação, desisti de qualquer passeio naquela noite, a fim de colocar meus pertences, em ordem, na mala e na pequena bolsa de viagem. Nunca imaginei que teria tanto trabalho para organizá-los. Faltava espaço para a tudo acomodar.

 

 

 

 

 

O dia tinha sido intenso, como intensos tinham sido todos desde que comecei a fazer parte daquela excursão. Naquele dia, desde Perugia, passando por Assisi, subindo e descendo colinas e querendo, do mundo por onde passara, a tudo absorver e armazenar. Na retina e nos neurônios cerebrais.

 

 

 

 

 

 

Quando consegui quase deixar tudo organizado em minha mala, a noite já se instalara em Roma. Nem ousei pensar em ir atrás de alguma trattoria para jantar. No restaurante do hotel encontrei alguns companheiros de viagem. E fui então em busca dos sabores de Roma. Sim, porque, afirmava-me o maître, em lugar nenhum se comem massas tão finas e boas como em Roma. Não era o que eu sabia de longa data. Mas, muitas horas haviam já passado desde a nossa última refeição, ainda em Assisi. Então qualquer prato seria saboroso.

 

 

 

 

Cedo, bem cedo, na manhã seguinte, tomamos o ônibus que teria como destino final a cidade do Vaticano. Passamos por locais que contam não apenas a história de Roma, mas a história da humanidade, a história do mundo, pelo menos a que fica a oeste dos Montes Urais e dos Cárpatos e ao norte do deserto do Saara.

 

Ponte sobre o rio Tevere

Um museu a céu aberto é como posso definir Roma. Deitada ao lado do Tevere, o rio que a viu nascer, o rio que é a sua alma, o rio a quem, segundo a lenda, deve a sua própria existência, continua a viver os seus eternos dias de glória. Inúmeras são as pontes que cruzam o Tevere. E em todas eu me deslumbrei com as estátuas que adornam as suas balaustradas. As que mais me chamaram a atenção foram os Anjos de Bernini nos quatro cantos da Ponte de Sant’Angelo. Por muitas vezes por ela eu passei naquelas poucas horas que por Roma circulei.

 

 

Panteão romano

Num ponto, pouco além desta ponte, começamos nossas caminhadas. Passamos pelo Panteão, pelas ruínas do Forum Romano. Ainda bem que por lá eu já estivera em duas ocasiões e suas histórias já me eram bem conhecidas. Porque o nosso guia, que parecia andar de velocípede, estava sempre a uns cem metros à minha frente.

 

 

 

 

Em uma parada ele espera por todos a fim de explicar alguma coisa sobre os edifícios ao nosso redor. E conta a história de uma construção medieval, quase sem janelas, à nossa esquerda. Disse que quem não estivesse disposto a andar e subir até o Capitólio naquela casa poderia permanecer. Mas apenas as pessoas do sexo feminino. Era destinada para quem não quisesse mais fazer parte do mundo pagão aqui de fora. Era um convento das freiras que fazem votos de perpétuo silêncio. O que estávamos preferindo mesmo, naquele calor, era um banco em um jardim à sombra de frondosas árvores. Ao que alguns acrescentaram:

 

 

 

 

—E com uma cerveja bem gelada…

 

 

 

 

E então começamos a escalada da primeira das sete colinas onde Roma se situa. Não era uma íngreme subida. Os romanos sabiam como construir ruas. Jamais em linhas retas. Contornavam-nas em curvas, quase em espiral. O que torna a subida mais suave. E eis que o monumental Capitólio se descortina à nossa frente.

Monte Capitolino

 

No alto do Monte Capitolino ele se situa. Imponente. Há uma história imensa e colorida em torno de sua construção desde os tempos lendários, das monarquias, da república romana, dos imperadores, até o período do Renascimento com a arquitetura e a inigualável arte de Michelangelo.

 

 

 

 

Quando consegui chegar aos pés da rústica e antiga escadaria vislumbrei meus companheiros lá no alto. Sol escaldante. Calor intenso. Não ousei enfrentar a escalada para ver correndo o que no passado eu demorara uma manhã inteira para admirar.

 

 

 

 

 

Sentei-me em um dos degraus que ficavam quase ao nível da rua. Por um lado o mundo subia em filas homéricas. Sem parar. Pelo outro, pessoas desciam. Sem parar. Nas ruas laterais o trânsito fervia. E eu ali sentada, com meus pensamentos, imaginando o que se passava na cabeça de cada um dos passantes que a meu lado desfilavam. Entre as escadas, uma fonte. Da boca escancarada de um leão eu me deliciava com a água jorrando sem cessar. Sob os seus respingos e a olhar os infinitos arcos-íris por muito tempo embevecida ali eu permaneci.

 

 

 

 

Logo reconheço a minha turma a descer as escadarias. E seguimos em busca do local onde encontraríamos nosso ônibus. Na ida havíamos passado ao largo do Coliseu. Não sem críticas de nosso guia à administração romana que, recentemente, havia mudado as mãos de direção dos veículos naquele setor. Nesse retorno percorríamos a sua lateral, pelo sentido inverso.

 

praça do Vaticano

Atravessamos a ponte de Sant’Angelo sobre o Tevere. Por suas margens, por mais algum tempo, eu fui me deleitando com o infindável desfile de palácios, estátuas, obras de arte em pleno ar livre. E eis-nos, de repente, sob um túnel. E num subsolo estacionamos. Lentamente fomos nos aproximando da superfície terrestre e da luz do dia. Um deslumbramento à vista. Estávamos em plena praça do Vaticano. A Basílica e a Capela Sistina ao fundo. Nas laterais as conhecidas e inconfundíveis colunas que abraçam toda a praça.

 

 

 

 

E o mundo em todo aquele espaço a circular. Cada grupo a rodear seu guia. Cada guia a agitar a sua bandeirinha para que os grupos não se confundam. O que se comprovou não funcionar. Porque os grupos quase se agregam uns aos outros. E o nosso guia ainda não entendera que deveria andar mais devagar. Não era eu a única a perdê-lo de vista. Quando dei por mim estava a ouvir a preleção de um falante japonês que explicava as coisas santas, em sua língua natal, às pessoas de sua terra, que atentamente o ouviam…

 

 

 

 

Eu tenho certeza que aquela praça é o local do mundo onde se concentra o maior número de pessoas por metro quadrado.

 

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