No final dos Anos Trinta do século passado as Irmãs Franciscanas iniciaram a construção do primeiro bloco de alvenaria do Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Canoinhas.
Dormitórios das internas, Clausura, Capela, salas de aula, administração, enfim, tudo o que compunha a organização localizava-se, ainda, nos pavilhões de madeira.
O novo prédio era a concretização dos sonhos e dos planos de ampliação do que viria a ser o famoso Instituto de Educação “Sagrado Coração de Jesus”.
Erguido aos poucos, tijolo sobre tijolo, argamassa sobre argamassa, ali, ao lado, sob as vistas curiosas das alunas internas e externas que, a cada intervalo, a cada recreio, nada mais faziam senão ficar, embevecidas, olhando o andamento da obra.
Pedreiros e serventes iam e vinham. Caminhões chegavam carregados de material de construção. E a obra avançando. Os necessários andaimes sendo colocados, fincados no solo, pregados e entrelaçados com reforçado vigamento. Com aquelas escadas que de escadas só tinham o nome; escadas feitas de rústicas e grossas tábuas de madeira, com pequenas ripas transversais nelas colocadas apenas para dar um suporte na subida dos carrinhos de mão carregados de argamassa e tijolos.
Quando estes andaimes circundavam já o terceiro pavimento, emoldurando os tijolos ainda nus, uma grande árvore ainda verde, talvez uma araucária, em sua cumeeira foi colocada para mostrar ao mundo que a construção estava chegando ao fim.
E, numa tarde ensolarada de verão, enquanto o recreio das alunas decorria em franca algazarra, vislumbrou-se, lá no alto, dois vultos femininos, com o devido uniforme do Colégio, vagando e equilibrando-se entre as vigas suspensas…
Estavam lá as duas, andando nas pontas dos pés descalços, com os braços em cruz e cantando.
Uma multidão de alunas e freiras foi se formando lá embaixo, em desespero, em agonia, na expectativa de que o pior acontecesse.
Avisada, Madre Albertina, a superiora, veio às pressas, respiração opressa, suplicando para que as duas aventureiras descessem antes que ficassem tontas e caíssem. As freiras já em preces, com rosários nas mãos.
Algumas internas, mais afoitas, batiam palmas querendo subir também para participar da aventura.
Mas, quando, finalmente, o silêncio se fez a uma ordem mais enérgica de Madre Albertina, pode ela, então, suplicante, pedir para as duas que descessem dos andaimes, e que, devagarinho, degrau por degrau, na improvisada escada de toscas e grossas tábuas, voltassem ao solo.
Imaginando o pior dos sermões e das reprimendas e dos castigos as duas alpinistas, constrangidas, esfregando as mãos, olhos no chão, chegaram até onde se encontrava a Superiora.
Foi então a vez de Madre Albertina levar o maior susto de sua vida quando viu, de perto, quem eram as duas audaciosas escaladoras de andaimes de um prédio em construção.
Precisou sentar-se, às pressas, coração palpitando, respiração ofegante, sorvendo de um gole só o copo de água que lhe ofereciam.
E quem eram as duas serelepes?
Uma delas portava, desde a mais tenra infância, uma anquilose do quadril que lhe dificultava, e muito, a deambulação. Podia-se dizer que seu andar era manquejante.
E a outra enxergava mal, pois portadora era de quase vinte graus de miopia e astigmatismo em ambos os olhos. Miopia e astigmatismo que eram corrigidos com duas enormes e grossas vidraças, tipo fundo de garrafa, emolduradas por imensa e negra armação.
Sim, vidraças, porque de vidro eram as lentes corretivas das deficiências visuais da época. Vidro quebrável, sim. E não havia então a tecnologia das lentes de hoje que são anti-tudo. Aquelas lentes corrigiam em muito a visão, mas jamais atingiam o percentual de visibilidade das lentes de hoje.
E não era então para Madre Albertina quase desmaiar de susto quando reconheceu as duas heroínas, ali, a sua frente, inteiras e discretamente sorridentes sob os aplausos de todas as demais internas e assustadas Irmãs?
E não houve sermão, não houve reprimendas, não houve castigo.
Madre Albertina apenas balançou a cabeça e, mansamente, pediu às duas:
– “Pelo amor de nosso Pai que está nos céus, não façam mais isto. Como eu iria explicar aos seus pais se vocês tivessem se machucado?” E dando-lhes a bênção ainda falou: “Vão agora e fiquem na Paz de Nosso Senhor”.
Esta história as duas amigas contariam mais tarde aos seus familiares. Foi assim que dela fiquei sabendo, muitos anos depois, por uma das artistas que era minha irmã Avany. Sim, a famosa professora de matemática e diretora do Grupo Escolar de Marcílio Dias Avany, rindo, contava as aventuras de seu tempo de internato no Colégio Sagrado Coração de Jesus de Canoinhas.
A outra, bem a outra é também uma figura muito conhecida em nossa cidade, foi exímia professora por longo tempo, grande e competente mestra e também vereadora. A sempre alegre, inteligente, culta, de vibrante voz e bem humorada Dona Iolanda Trevisani.