Professores e acadêmicos escrevem sobre cinema para o JMais

A partir deste domingo, 14, os professores e acadêmicos da Universidade do Contestado (UnC) que participam do Cine Fórum, passam a escrever sobre os filmes vistos e discutidos no grupo aqui no JMais.
Para começar, a professora Ms. Danielly Borguezan fala sobre A Onda.

 

a ondaCUIDADO COM O LÍDER[1]

História por trás do filme “A Onda” chama a atenção para os riscos da cegueira ideológica e a perda da individualidade

As transformações societárias vivenciadas no Ocidente, sobretudo no período pós-2a Guerra Mundial, permeiam o filme “A Onda”. Mas, primeiro, é preciso fazer uma abordagem quanto à real história abordada por ele. Em abril de 1967, em Palo Alto, Califórnia (EUA), o professor de história mundial, Ron Jones, aplicou um método de ensino nada convencional para seus alunos do ensino médio.

A proposta surgiu enquanto lecionava sobre o nazismo alemão. Naquele contexto, foi questionado por seus alunos como se justificava que uma minoria nazista (cerca de 10% da população) cometesse tamanhas atrocidades contra milhões de alemães, judeus e outras etnias, sem saber o que exatamente faziam. Como era possível os alemães reafirmarem desconhecer os campos de concentração?

Para explicar a ascensão do nazismo e outras sociedades totalitárias e demonstrar que nenhuma sociedade está imune ao apelo ideológico, o professor Jones decidiu realizar, durante cinco dias (mas sem anunciar), uma experiência com os alunos. Decretou um regime de severa disciplina em suas aulas, incluindo uma série de restrições às liberdades individuais e a fixação de um ideário único (“Força por meio da disciplina, força por meio da comunidade, força por meio da ação”).

Estabeleceu normas de condutas, incluindo a forma de sentar, de cumprimentar e até de se reportar ao professor. Jones criou também um símbolo para identificar a turma e aqueles que estavam inseridos no grupo e o nomeou A Terceira Onda. Sua justificativa: uma onda está sempre em movimento e provocando impactos por onde passa. Para sua surpresa, os alunos foram receptivos às regras, aceitando-as como se precisassem de disciplina, afirmou ele anos mais tarde.

Ao final daquela semana, o que deveria ser apenas uma “demonstração ou comprovação de que não estamos isentos de qualquer nova ideologia” tomou outros rumos. A Terceira Onda não ficou restrita apenas a uma atividade ou experiência escolar. Foi além disso. Muito embora os alunos tenham surpreendentemente melhorado seu desempenho escolar (pois entendiam que representavam o grupo e, por isso, tinham responsabilidades), infelizmente levaram os princípios e ideologias da Onda para fora da sala de aula. Nesse sentido, optaram voluntariamente por abrir mão de suas individualidades, além de excluir, magoar e recriminar aqueles que não faziam parte do grupo.

A experiência foi o suficiente para repercutir para sempre a vida do professor. Após o fim do “projeto”, Jones foi demitido e impedido de lecionar em escolas públicas. Em entrevistas, disse que sua vida sofreu uma mudança que não previa: “Eu queria ser um bom professor de história, um treinador de basquete e criar minha família. Isso seria maravilhoso, mas não me foi permitido. Como consequência, fui forçado a procurar diferentes lugares para lecionar, por isso eu dei aula para deficientes mentais durante 30 anos”.

No início de 1976, o próprio autor publicou suas versões em dois livros. Em 1981, foi produzido um curta-metragem para a TV e, por fim, em 2008, o filme “A Onda”. Inúmeras peças e musicais também foram produzidos ao longo dos anos.

De todos, foi o filme gravado na Alemanha em 2008 que teve maior repercussão, tendo, inclusive, ganhado vários prêmios. Ele baseou-se apenas em alguns fatos reais, superdimensionando outros, de tal modo que a história culmina com uma tentativa de homicídio e um suicídio, o que na realidade não houve.

Ficções à parte, o filme aponta o fenômeno da “psicologia das massas” e mostra como é possível pessoas e grupos sociais serem influenciados e desencadearem ações consideradas agressivas socialmente. “A Onda”, portanto, é uma metáfora que se aplica a qualquer movimento de massa correspondente aos apelos de um líder carismático ou de uma causa mítica (ir)racional. É importante salientar que irracional não é sinônimo puro e simples de ausência de razão, pelo contrário, um certo uso da razão, que em sua instrumentalidade transcende os limites éticos e políticos que amparam as regras de convivência humana.

O filme evidencia o alerta à sociedade em geral que anseia por transformações sociais e/ou por um objetivo de vida, que é preciso sempre preferir o questionamento à “cegueira” sugerida pelo líder, além de nunca permitir a perda ou diminuição dos direitos individuais.

 

 

Profª. Ms. Danielly Borguezan. OAB/SC 27409,  Professora de Direito; Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – Cnpq;  Membro do Grupo de Estudo em Giorgio Agamben – Universidade do Contestado e bolsista do Programa do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior – FUMDES. [email protected]



[1] Artigo publicado Jornal A Notícia em 16 de fevereiro de 2013. | N° 1764

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