Eu não poderia voltar para casa sem trazer um aparelho para instalar em nossa sala
Imagens transmitidas pelo ar, de um canto a outro da terra, já constavam nos escritos de Júlio Verne, antes que findasse o século XIX. Desde a primeira transmissão de imagens, ainda embaçadas, na década de 20 do século passado, a evolução não cessa jamais.
No decorrer de minhas últimas férias do curso de Medicina eu estagiava na Santa Casa de Misericórdia de Santos. Ficava em casa de minha grande colega e amiga, Maria Alice Braga, que morava naquela bela cidade praiana.
Foi já em janeiro de 1958 que, na casa dela, eu vi, pela primeira vez, um aparelho de televisão. Era um deslumbramento ver filmes e novelas, espetáculos musicais e telejornais passando ali à nossa frente, sentadas em confortáveis poltronas, tendo ao nosso lado canecas do mais puro café acompanhado das bolachas que Dona Marina, mãe de Maria Alice, deixava ao nosso lado.
Em Curitiba a televisão ainda não havia surgido. Mas estava em fase embrionária. Na cabeça de um empresário de rádio. Que trouxera dos Estados Unidos, naquele ano, uma câmera de televisão para transmissão em circuito fechado.
Instalou-a em pleno Edifício Garcez, creio que no oitavo andar, onde ficavam as dependências do Centro Cultural Interamericano que possuía um pequeno salão de eventos.
Fios foram estendidos desde lá do alto até o andar térreo, no qual estava localizada uma loja que vendia eletrodomésticos. Entre os quais, televisores. Sim, a sociedade curitibana já estava adquirindo aparelhos de televisão com a mais pura certeza de que, muito em breve, um canal na terra dos pinheirais seria instalado. E para aqueles televisores, estrategicamente colocados nas vitrines da loja, as imagens, lá do alto, eram transmitidas.
Nagib Chede era o dono da rádio que já colocava novelas no ar. Das quais participavam os integrantes do Teatro do Estudante do Paraná, tendo como protagonista principal e minha amiga Nitis Jacon.
Inicialmente filmes eram transmitidos por aquele canal sui generis. Aos poucos, curtos noticiários, com garbosos apresentadores que já não conseguiam mais sair em paz do edifício, tal a aglomeração de fãs que ficavam à espera deles.
E então o senhor Nagib convoca o elenco do Teatro do Estudante para apresentar cenas ao vivo. E lá fomos nós mostrar ao povo, que se aglomerava defronte às vitrines da Casa Tarobá, o nosso potencial artístico.
Algum tempo depois destas transmissões amadoras, um tempo em que eu já não mais me encontrava em Curitiba, o seu Nagib conseguiu a concessão para colocar no ar as imagens da TV Paranaense, Canal 12. Não demorou muito e logo apareceu mais um canal, o 6, das Associadas de Assis Chateaubriand.
Já era o ano de 1963, quando em Canoinhas venho instalar meu consultório. Nenhum sinal televiso aqui chegava ainda. Num repente já estávamos no ano de 1967. Meus amigos Geraldo e Regina São Clemente rodeavam-me de todos os lados para que eu os acompanhasse em uma viagem aos Estados Unidos.
Assistir programas de tevê por lá já se tornara uma rotina. No café da manhã as notícias do dia. E assim, fomos nos acostumando a ver as notícias, em frescas imagens, em todos os dias.
Nosso destino final foi Nova Iorque. E no Roosevelt Hotel, onde nos instalamos, o inusitado despontou à nossa vista, no salão de recepção. Um aparelho, já de bom tamanho, esbanjando imagens coloridas. Mas era apenas o aparelho da recepção. Nos apartamentos, televisores ainda em preto e branco.
Eu não poderia voltar para casa sem trazer um aparelho para instalar em nossa sala. Consegui encontrar um depois de muito pesquisar as possibilidades, não só de preço, mas como transportá-lo para cá sem pagar demais pelo excesso de peso de minha bagagem. Que a estas alturas já havia mais que duplicado…
Adquiri, após conselho dos amigos, e de vendedores das lojas, um aparelho Zenith pequeno, talvez de umas 21 polegadas. A primeira coisa que fiz ao entrar no apartamento do hotel foi desenterrá-lo da bela e muito bem preparada embalagem para viagem. Porque a curiosidade em vê-lo funcionando era enorme. Fiz as devidas ligações, conforme o manual especificava. E um desfile de canais iluminou meus olhos. Com um limpo som e nítidas imagens. Após o deslumbramento do début, imperioso era desligar tudo logo, esperar que o aparelho esfriasse — era com válvulas — e acondicioná-lo novamente em sua caixa, com todo o cuidado.
E assim, de meu fusquinha vermelho, ele desembarcou em minha casa, em Marcílio Dias. Colocamo-lo numa estante. Estendemos as antenas internas. Ligamos o cabo na parede. E onde ficou aquele som puro e aquelas imagens nítidas que eu vira ainda no hotel em Nova Iorque? Apenas chuviscos e chiados… Que era, realmente, o esperado. Não adiantava girar o dial para um lado e para outro. Nenhuma imagem. Apenas ecos distantes…
Meu compadre Wando Sckudlarek, ferroviário de escol, conhecido em toda a região como Professor Pardal, porque resolvia todos os problemas eletrotécnicos que surgissem à sua frente, logo veio em nosso socorro. Acompanhou-me para a compra e a instalação de uma grande e potente antena que, em seguida, com a ajuda de meus sobrinhos, instalou no telhado de nossa casa.
A antena deveria girar. Para que fosse colocada em direção a Curitiba. Porque não havia ainda, em Santa Catarina, emissoras de televisão. Em vez de alguém ficar pendurado no telhado girando a antena e outro defronte do aparelho receptor gritando que o sinal estaria sendo captado, optei por outra solução. Fui aos mapas para identificar a direção de Curitiba, em graus de longitude e latitude. Peguei uma bússola e assim direcionamos nossa antena.
O som era quase sempre bom. As imagens, nem tanto. As tardes de sábado e de domingo eram dedicadas a se ver e ouvir os melhores cantores da época a desfilarem pela telinha. E as novelas a prenderem a atenção da vila e da cidade.
O nosso mundinho começou a se reunir defronte aos aparelhos de televisão. Porque a terra começou a girar em torno deles.
Mas aquela antena enorme, lá no alto do telhado, começou a dar problemas. Ventos deslocavam-na e perdíamos o sinal. A cada nova ascensão à cumeeira da casa, telhas quebravam-se e goteiras começavam a importunar nossa vida.
Então o meu compadre Wando — sempre o Wando — sugeriu que levantássemos uma quase torre no lado externo da casa. Comprados os objetos necessários, em uma tarde de sábado o amigo reuniu um grupo de companheiros e, naquele estilo tão nosso de pixirum, em pouco tempo lá no alto a antena foi instalada.
Depois a comemoração com cerveja e um churrasco improvisado para festejar o término da empreitada.
Com o correr do tempo, mais e mais antenas, para se captar imagens de televisão, eram vistas pela nossa vila e pela cidade.
As novelas tornaram-se um vício coletivo. Algumas pessoas até conseguiram engordar o orçamento, cobrando de quem quisesse assisti-las em suas casas. O preço variava de acordo com o conforto. O valor mais caro era para quem se sentasse em uma poltrona defronte ao aparelho e o mais barato para quem ficava do lado de fora, olhando através das janelas.
Certo dia, assistindo um capítulo da novela em casa de meu mano Maurinho, em Curitiba, assombrei-me ao ver as fisionomias dos artistas. Achei quase todos muito velhos e enrugados. Diferente daquelas caras lisinhas a que eu estava acostumada a ver na televisão de nossa casa.
Os 140 quilômetros que nos distanciam, em linha reta, de Curitiba, amenizavam as rugas, procedendo a uma verdadeira cirurgia plástica na classe artística.
Foi então que uma repetidora de sinais televisivos foi instalada em Canoinhas. Com o morro a nos encobrir difícil era captá-la em nossa vila. Mas alguém sempre arruma uma solução. De um dia para o outro, em vez de recebermos as imagens de Curitiba, entrou em nossa telinha a imagem das Coligadas, de Blumenau.
O bom é que tínhamos notícias de nosso estado. A finalidade principal era desviar a atenção dos telespectadores das vendas promocionais exibidas pelo comércio da capital do vizinho estado. Blumenau já era um território mais distante, de bem mais difícil acesso…