Em 1980, Canoinhas foi atingida por uma onda de pânico com o surto da doença; contaminação do rio Iguaçu foi apontada como causa
Quem não dá a devida valorização às campanhas anuais de vacinação contra a poliomielite certamente não entende porque as autoridades levam tão a sério o assunto. Em 1980, mais de 30 crianças foram internadas com sintomas de poliomielite em Canoinhas. Quatro delas morreram. A epidemia não tem precedentes na história do município. Surgiu em União da Vitória (PR) e chegou a atingir a capital Curitiba.
Balanço de janeiro de 1980 mostra que quase 100 crianças foram contaminadas com a poliomielite no Paraná e Santa Catarina. Dessas, 22 morreram. A maioria das vítimas (90%) era de crianças menores de cinco anos, da periferia das cidades atingidas e de classe socioeconômica pobre. Em União da Vitória e Porto União foram 18 mortes.
A situação em Canoinhas, Três Barras, Porto União e Mafra foi tão grave que o secretário estadual de Saúde à época, Valdomiro Colautti, autorizou os municípios atingidos pelo surto a vacinar pessoas com qualquer idade. Isso porque, a epidemia avançou tanto que chegou a atingir até adultos. O Exército foi usado na campanha de vacinação, realizada em massa na região. Os postos de saúde abriam direto, nos finais de semana, para receber a população a ser vacinada.
O secretário estadual de Saúde chegou a abrir um inquérito para apurar as razões de os postos e unidades sanitárias de Canoinhas terem permanecido fechadas num fim de semana, contrariando determinações da Secretaria.
ÁGUAS PERIGOSAS
Superada a fase aguda da epidemia, os sanitaristas apontaram a contaminação do rio Iguaçu, que passa por toda a região afetada, como possível origem da pólio.
Assim como hoje, o Iguaçu recebia lançamento de esgoto sem tratamento, ao longo do seu curso. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo à época, “ele (o Iguaçu), pode ser a causa do surto em municípios como União da Vitória, Porto União e Canoinhas, onde, além de ter sido registrado o maior número de casos, foi justamente a região que primeiro acusou a ocorrência de pólio, irradiando-se depois a outras localidades.”
A literatura médica, no entanto, afirma que “a transmissão se dá por contato direto com as secreções faríngeas ou fezes de pessoas infectadas, devido a uma estreita associação com essas pessoas” e que “não existem provas fidedignas da propagação da enfermidade por outros alimentos, insetos ou águas servidas contaminadas com o vírus.”
Nascendo em Curitiba, o Iguaçu percorre cerca de 500km e passa por oito municípios (em Canoinhas faz divisa com Irineópolis) de porte médio antes de atingir União da Vitória e, dali, prosseguir para a divisa do Paraná com a Argentina, onde forma as famosas cataratas do Iguaçu. O rio já recebe, no seu nascedouro, grande parte dos esgotos in natura provenientes da Capital paranaense. Dali, prossegue em seu curso, recebendo os esgotos, também sem qualquer tipo de tratamento, chegando muito sujo em Canoinhas.
Como o vírus da pólio vive por mais tempo nas fezes humanas (de 3 a 6 semanas) do que na garganta das pessoas infectadas (onde sobrevive uma semana), a tese dos sanitaristas era de que moscas, o próprio ar e a água contaminada poderiam ter levado o vírus para dentro das casas ribeirinhas.
Coincidentemente, o rio Iguaçu havia sofrido uma cheia que só baixou em outubro de 1979, justamente o mês no qual surgiu o primeiro caso de pólio em União da Vitória.
A tese, apesar de bastante provável, foi contestada, considerando que cidades como São Mateus do Sul, também banhadas pelo rio, não tiveram nenhum caso registrado, e que vários casos surgiram em localidades distantes do rio.
O surto fez com que as autoridades levassem mais a sério a vacinação contra a pólio nos anos seguintes, tanto que em 1981, 80% das crianças até 5 anos foram vacinadas em Santa Catarina. Esse índice, antes, não passava dos 40%. Hoje, as campanhas não terminam sem que este índice chegue a, pelo menos, 90%. Dificuldade que vem se aprofundando a cada ano. Em Canoinhas, nos anos 2000, o índice atingido chegava a 100%. Agora, vem caindo gradativamente.
Segundo dados da Vigilância Epidemiológica de Canoinhas, a vacinação contra a pólio em menores de um ano de idade chegou a 102,9% em 2014, mas no ano passado não passou dos 80,3%, o menor índice em cinco anos. Hoje a meta preconizada é de 95%. “As pessoas precisam ser alertadas para a reintrodução de epidemias não vivenciadas por essa geração devido as coberturas vacinais extremamente preocupantes e em constante declínio ano a ano. As vacinas transformaram cenários epidêmicos que hoje assombram novamente os profissionais de saúde”, reflete a enfermeira do Ambulatório de Epidemiologia de Canoinhas, Franciele Colla.
COBERTURA VACINAL CONTRA A POLIOMIELITE EM MENORES DE UM ANO EM CANOINHAS
2017: 80,3%
2016: 86,9%
2015: 90,1%
2014: 102,9%
2013: 88,9%
A pólio foi erradicada em 1994 com vacinação em massa. Já a contaminação das águas do Iguaçu, que continua a ser consumida por comunidades ribeirinhas, ainda é comum. Especialmente, em Canoinhas.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A POLIOMIELITE
Como é a transmissão?
A transmissão ocorre por contato direto pessoa a pessoa, pela via fecal-oral (mais frequentemente), por meio de objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou portadores, ou pela via oral-oral, por meio de gotículas de secreções da orofaringe (ao falar, tossir ou espirrar). A falta de saneamento, as más condições habitacionais e a higiene pessoal precária constituem fatores que favorecem a transmissão do poliovírus.
Existe tratamento?
Não há tratamento específico para a poliomielite. Todos os casos devem ser hospitalizados, procedendo-se ao tratamento de suporte, de acordo com o quadro clínico do paciente.
Quais as complicações?
Sequelas paralíticas. Parada respiratória devido à paralisia muscular.
Como se prevenir?
A vacinação é a única forma de prevenção da poliomielite. Todas as crianças menores de cinco anos de idade devem ser vacinadas conforme esquema de vacinação de rotina e na campanha nacional anual. Confira o esquema de proteção no Calendário Nacional de Vacinação.
Como é o esquema vacinação?
Vacina poliomielite 1, 2 e 3 (inativada) – VIP
Administrar aos dois, quatro e seis meses de idade, com intervalo de 60 dias. Em situação epidemiológica de risco, o intervalo mínimo pode ser de 30 dias entre as doses. Completar o esquema de vacinação com a vacina poliomielite 1 e 3 (atenuada).
Vacina poliomielite 1 e 3 (atenuada) – VOP
Este esquema é um reforço que deve ser feito aos 15 meses de idade, e o segundo reforço deve ser aos quatro anos de idade.
Atenção aos viajantes!
Recomenda-se a vacinação para quem se deslocar para países com circulação de poliovírus selvagem e/ou derivado da vacina, conforme a situação vacinal.
Situação da doença no país
No Brasil, a realização de duas campanhas anuais de vacinação, a partir de 1980, reduziu a incidência da poliomielite de 2,2/100.000 hab. para 0,2/100.000 hab. em 1985. Em 1989, ano em que ocorreu o último caso de pólio no país, a incidência foi de 0,03/100.000 hab. Foram implementadas medidas que tornaram o sistema de vigilância epidemiológica mais sensível, permitindo um controle mais eficaz da doença.