Artigo versa sobre a polêmica envolvendo a possibilidade de o Sul se separar do restante do Brasil
Walter Marcos Knaesel Birkner
Acabo de ler o artigo intitulado “O sul não é o meu país…” do auditor fiscal Ricardo Bordin, por recomendação do amigo filósofo Wellington Amorim – UFMA. A opinião do autor chama à atenção a aspectos com os quais concordo. Fundamentalmente, trata-se de não discriminar, muito menos ridicularizar uma posição que, embora muito epidérmica até aqui, levanta a lebre da distorção do Estado concentrador e extrativista brasileiro e aponta a necessária discussão sobre o pacto federativo nacional.
Um dia antes das eleições gerais para prefeitos e câmaras de vereadores, ocorreu a votação plebiscitária sobre a separação da região sul do País. Menos de 3%, cerca de 617 mil pessoas votaram – Eu inclusive – e quase 96% optaram pela separação. Significa que mais de 97% dos eleitores desses três estados não se manifestaram a respeito. Ainda assim, há razões importantes a explicar o descontentamento dos que votaram, e de tantos outros, cuja simpatia ao Movimento não estão contabilizadas.
Ainda que assim seja, é preciso relevar: a separação é inconstitucional. Portanto, tentativa segregacionista dessas implicaria pegar em armas. Provavelmente, poucos dos simpáticos à separação estariam dispostos a isso, tampouco ao sacrifício da vida de seus filhos e respectivos projetos de vida, muito mais úteis ao mercado do que à guerra. E afirmar que o Movimento é pacífico e que vai pela via do diálogo e do debate é até aceitável. O problema é que carece de objetividade, já que a solução pacífica não é possível.
Além disso, no Day after, catarinenses quereríamos nos separar dos vizinhos, o perdulário ao sul e o desigual ao norte, e cujas populações não param de buscar em Santa Catarina uma oportunidade de vida. O Rio Grande do Sul tem uma dívida pública enorme, que reflete o vício brasileiro; o Paraná é rico, mas é desigual, e continua expulsando gente. Então, como atraímos os vizinhos, estamos geograficamente no centro e nos consideramos melhores, logo acharíamos que a vida seria ainda melhor sem eles.
Mas também não tenho a pretensão, nem a presunção de desanimar os simpatizantes. O ponto alto desse Movimento separatista, por enquanto, é que ele chama à atenção ao descontentamento federativo e é legítimo que qualquer um se manifeste. Eu mesmo votei a favor, a fim de animar a discussão, ao invés de menosprezá-la. Mas não me identifico com muitos desses simpatizantes, cuja visão de mundo e seus valores nem sempre estarão de acordo com a minha formação liberal.
Reitero: sou favorável à discussão, simpático a um novo pacto federativo em benefício da vitalidade da política e das regiões, hoje submetidas à tirania extrativista. Em Brasília, Rio ou Florianópolis, patrimonialistas vivem às nossas custas, enfraquecem o sistema político e bloqueiam o desenvolvimento das regiões. Políticos corruptos, parlamentares que traem eleitores e correligionários em troca de aposentadoria no TC, inúmeros privilegiados e corporativistas, são os parasitas da Sociedade e a praga do atraso.
Concordo que a descentralização não é algo simples, nem creio que poderá ser feita de modo homogêneo, em função das altas desigualdade e corrupção nos cantões do País. Mas é preciso discutir um novo pacto federativo, respeitando a heterogeneidade. A crise que vivemos hoje decorre desse modelo de Estado que se esgota e está matando “a galinha dos ovos de ouro”, qual seja, a Sociedade produtiva e empreendedora, sem a qual não haverá recursos para sustentar o Estado social e de direitos que queremos preservar.
O Estado social de direitos é uma conquista civilizatória. Mas, mantê-lo implica preservar a vitalidade da economia. Implica, também, combater os privilégios corporativistas e patrimonialistas dos verdadeiros “donos do poder”. Constitucionalmente protegidos, extraem nossos recursos, tal qual a antiga nobreza lusitana improdutiva, e fazem caridade com o dinheiro alheio. Somente um movimento centrífugo de autonomia federativa nos serve. Não precisamos de mais Estado extrativista. Precisamos de mais Sociedade.
O efeito mais perverso do Estado centralizado, que extrai da Sociedade produtiva, é a dependência crônica e broxante das unidades federativas. Essa centralização, em Brasília ou em Florianópolis, humilha a todos que trabalham e empreendem, criando a distorção feudal de quem é roubado e pede ajoelhado. E nesse cenário anti-cooperativo que reduz a democracia às eleições, reproduz milhões de eleitores ignorantes e egoístas, e milhares de mascates eleitorais no lugar de legisladores, no contexto da “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Chega desse paternalismo estatal irresponsável, cujos operadores mentem aos indivíduos. Insistem que a Sociedade precisa de mais Estado, quando são eles, extrativistas, que não vivem sem extrair compulsivamente da Sociedade. Apoio o Movimento, igual a qualquer outro movimento de independência, característica de praticamente todas as nações livres, que um dia derrotaram elites usurpadoras. Por que ridicularizar os defensores da independência de hoje, se até hoje veneramos os inconfidentes do passado?
Não percebo viabilidade jurídica nem política na separação. Tampouco consigo avaliar a complexidade dos efeitos de um “Southexit”. É preciso conhecer as ideias de quem se opõe. Mas, sobretudo, penso que o Movimento suscita outra discussão constitucional e racionalmente viável – politicamente não sei: um novo pacto federativo, baseado na descentralização. Todo estado deveria ter o direito constitucional de, por exemplo, resolver seus problemas de educação, segurança e orçamento com autonomia e responsabilidade.
Dito isso, sugiro enterrar o Southexit na areia, de cabeça pra fora. Defendo um novo pacto federativo, recomendado por oponentes como o falecido senador Luiz Henrique e o atuante deputado Esperidião Amin. Um pacto meritório, aumentando gradativamente a autonomia dos estados fiscalmente responsáveis. Sem esse segregacionismo sulista, começaria por SC, SP, ES e CE. Na página 95 do Livro O mito do governo grátis, de Paulo Rabello Castro, esses estados apresentam os melhores índices de gestão desde 2005.
Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo