Temporal em Valinhos foi chamado de furacão, tufão e ciclone

Há 68 anos, 23 pessoas morreram depois da passagem de uma tempestade pela localidade

 

Jornal Folha de S.Paulo tratou fenômeno como tufão/Reprodução
Jornal Folha de S.Paulo tratou fenômeno como tufão/Reprodução

Acessada por mais de 32 mil pessoas, a reportagem intitulada “Há 68 anos, furacão matava 23 pessoas em Canoinhas“, publicada na segunda-feira, 16, no JMais, suscitou uma polêmica nas redes sociais. Afinal, é possível acontecer um furacão em Canoinhas?

Primeiramente, é preciso entender o contexto da época para saber porque os jornais locais e a grande imprensa, inclusive, trataram o fenômeno climático ocorrido em Canoinhas por diferentes nomes. Para o Correio do Norte, jornal local que cobriu o evento de forma mais ampla, foi sim um furacão que atingiu Canoinhas. O Estado de S.Paulo, maior jornal do Brasil à época, tratou o acontecido como decorrência de um ciclone. Já a Folha de S.Paulo, que trouxe notas sobre a tragédia em três edições seguidas, inicialmente disse tratar-se de um furacão. Na edição seguinte, no entanto, o fenômeno é chamado de tufão. Hoje, sabe-se, furacão e tufão são a mesma coisa, e só muda-se a nomenclatura dependendo da região onde acontece – furacão na parte ocidental do planeta e tufão na parte oriental.

 

VEJA A DIFERENÇA

Para o Estadão tratava-se de um ciclone
Para o Estadão tratava-se de um ciclone

À época os estudos meteorológicos não eram avançados e, tal qual como hoje, para se ter com precisão o diagnóstico, era preciso que meteorologistas testemunhassem o evento in loco, algo difícil de ocorrer. O recente fenômeno ocorrido em Legru, interior de Porto União, classificado pelo Ciram/Epagri como microexplosão, por exemplo, traz uma ressalva: Só seria possível afirmar com absoluta certeza que trata-se de microexplosão se o evento fosse monitorado no momento da ocorrência.

Na tragédia de 1948, técnicos do Rio do Janeiro estiveram no local dias depois e diagnosticaram o furacão, segundo contou um dos sobreviventes do temporal, Alcides Miranda, em reportagem publicada em 2008 no jornal Correio do Norte.

 

 

 

FURACÃO EM CANOINHAS?

Como os furacões se formam no mar e Canoinhas está a mais de 300km do litoral, logo surge a pergunta: seria possível um furacão chegar até a cidade?

Considerando que em 2004 os efeitos do furacão Catarina, que atingiu 14 cidades próximas do litoral catarinense teve seus efeitos sentidos até em Concórdia, no oeste catarinense, seria possível sim. O meteorologista do Epagri/Ciram, Marcelo Martins explica que seria possível sim, mas definitivamente não foi o caso de 1948 em Valinhos, isso porque, segundo ele, furacões atingem grandes regiões e, no caso de Valinhos, o estrago ocorreu apenas na localidade, o que, para o meteorologista, configura um tornado ou microexplosão.

O que reforçou a tese de furacão foi que a Folha de S.Paulo informou à época, que os temporais tinham atingido, também, as cidades de Blumenau, Nova Treto, Gaspar e Tijucas, todas mais próximas do litoral.

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Tragédia foi primeira grande cobertura de jornal local

Quando aconteceu a tragédia de Valinhos, o Correio do Norte (CN) estava perto de completar seu primeiro ano. Foi a primeira grande cobertura do jornal, que passou semanas repercutindo o assunto. A edição de 10 de junho de 1948 reflete bem a desolação que tomou conta da localidade. Num português extremamente prolixo e formal, abusando de recursos literários, o redator do CN à época, Guilherme Varela, escreveu: “Ainda perdura na lembrança da gente o eco e a visão da imensa tragédia que destruiu Valinhos. (…) O povo, no aperto da vida em que vive, distrai-se nas suas preocupações cotidianas, relembrando como idéia vaga os acontecimentos passados (sic)”.

A descrição da tragédia, na semana em que ocorreu, é de cortar o coração. Trechos escritos por Varela envolviam e comoviam os leitores: “Como é doloroso descrever tais cenas. Como se nos constrange o coração ao relatar a imensa tragédia. Ouvir o clamor das viúvas, o choro inocente dos órfãos. Que há de ser dessa gente? Quem lhes auxiliará a vestir, a dar de comer, a educar as criancinhas, quem lhes dará agasalho? (sic)”.

E o jornal cumpre seu papel social ao apelar aos leitores: “Compadecei-vos, ó almas cristãs dos que ficaram sem abrigo. Mandai suas esmolas, pequenina ou grande que seja, para enxugar lágrimas de dor dos que perderam seus entes queridos (sic)”.

O apelo do jornal, no entanto, não amoleceu os corações dos deputados catarinenses que negaram crédito de 150 mil cruzeiros pleiteado pelos deputados canoinhenses Aroldo Carvalho e Orty Machado, a fim de ajudar na reconstrução da localidade. Quem mais empatou dinheiro na reconstrução da localidade foi a prefeitura, à época comandada por Otavio Tabalipa.

 

Um coração admirável

Armelindo Tomasi, proprietário da serraria Tomasi e do armazém que abastecia as famílias, era considerado um subprefeito de Valinhos. Como boa parte da população local trabalhava em sua serraria, o empresário se sentia responsável por aquele povo. Tanto que na noite da tragédia, foi ele quem veio ao centro de Canoinhas para arregimentar ajuda. Tomasi chamou atenção por sua propriedade, com exceção do estoque de madeira, ter se mantido intacta. Uma das vítimas disse ao Correio do Norte à época: “Deus foi muito bom nessa dolorosa tragédia, não quis que o furacão destruísse o que pertencia a Armelindo Tomasi porque então a tragédia seria maior”.

 

 

FRAGMENTOS DE UMA TRAGÉDIA

  • Os Drs Fernando de Oliveira e Haroldo Ferreira passaram mais de 12 horas cuidando dos feridos no local da tragédia.
  • Uma criança de dois anos foi encontrada na manhã seguinte à tragédia sem nenhum ferimento, em pé, longe de onde estava sua casa, carregada pelo furacão.
  • 52 casas desapareceram junto com a igreja e a escola.
  • Um rapaz foi encontrado espetado no galho de uma árvore. Com equipamentos limitados, os socorristas deceparam seus braços para retirar o corpo.
  • Seis carpinteiros e 10 ajudantes trabalharam em ritmo acelerado para fabricar os caixões para depositar os corpos estendidos sobre tábuas na serraria Tomasi.
  • Morreram na hora do furacão 18 pessoas. Outras cinco morreram no hospital.
  • Todos os corpos foram sepultados no cemitério de Felipe Schmidt.
  • Uma propriedade que seria vendida por 70 mil cruzeiros foi varrida pelo furacão. O negócio, claro, foi desfeito.
  • Cerca de 3 mil curiosos foram conferir de perto os estragos do furacão.
  • O jornal A Noite, do Rio de Janeiro, sobrevoou o local fotografando os estragos.
  • Duas crianças foram encontradas mortas, abraçadas, na cama que dividiam.
  • Dia 24 de maio de 1948 foi decretado feriado municipal em luto aos mortos. Uma missa de sétimo dia mobilizou a cidade na Igreja Matriz Cristo Rei.

 

 

 

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