Últimos acordes entre palmeiras e a brisa do mar

E ali se passavam as horas, dia após dia, imergindo e flutuando, nadando e boiando

 

 

 

 

 

A brisa cálida a envolver-me convida-me a permanecer à beira d’água, tendo pela frente a embriaguez daquele mar sem fim. Estava só, mas rodeada de mantos invisíveis. Estava só, imaginando-me a conversar com Hemigway, Françoise Sagan, Graham Green, Alejo Carpentier e mesmo com Sartre e Simone de Beauvoir. Imaginava-me ali, trocando figurinhas literárias com eles, lá pelas décadas de 40 e 50, de um tempo que teria sido ontem.

 

 

 

Meus sobrinhos Arcélia, Sérgio e Fernanda e os amigos Ideraldo e Renato tinham ido até a cidade de Trinidad, onde músicas pelas ruas alegram o velho casario em todas as estações.

 

 

 

Escurecia e as pálpebras teimosas não cessavam de se fechar. E entre o som de flautas e guitarras dolentes, ao longe, adormeci ouvindo o marulhar das ondas do mar bem perto de mim.

 

 

 

Um desjejum repleto de sucos e frutas, além de um saboroso café, com pães e bolos, queijos e frios e uma infindável seleção de cremes e grãos. Nada a dever aos melhores do mundo.

 

 

 

 

 

 

Foi pouco o tempo, naquela manhã, em que fiquei lendo, acomodada à sombra das palmeiras, andando pelas brancas e finas areias cantantes e mergulhando nas plácidas águas do mar. Fiquei pouco tempo naquele paraíso. Porque era necessário conhecer umas das mais antigas cidades da América.

 

 

 

 

 

Foi em uma espaçosa van que partimos rumo a Trinidad. Que nos deixou na entrada da cidade.  Ruas estreitas. Lembram Parati. Onde veículos não podem circular.

 

 

Trinidad

 

Fomos caminhando em meio à arte. Em cada janela, em cada porta, antiguidades e artesanatos em madeira, tecidos, mármore, metais, em todas as formas, tamanhos e cores imagináveis. Casas baixas, com o tradicional e conhecido telhado. Alguns apenas com eira. Outros, sem eira, nem beira… Sobrados com reluzentes balcões de ferro enegrecido e ou recortadas tabuinhas envernizadas.

 

 

 

Plaza Mayor

Foi um circuito breve para entronizar-nos na arquitetura e conhecer um pouco os belos locais históricos. Passamos por suas praças, a Plaza Mayor, a del Carillo e Ancón. Perto da Plaza Mayor a famosa Casa de la Música. Uma escadaria onde multidões se aglomeram para ouvir música.

 

 

 

 

Dois museus contam a história e a arte de Trinidad. O da História Municipal e o Nacional da Luta Contra Bandidos.

 

 

 

 

Em cada esquina músicos, a nos brindar com suas melodias tradicionais, poetas a declamar seus versos.

 

 

 

 

 

O tempo corria e o horário de almoço já estava vencido. Subindo ladeiras. Um sol ardente.  Eu sempre com meus passos lentos. Minha sobrinha Fernanda lá no alto já enquanto eu me arrastava pelas bordas das janelas debruçadas.

 

 

 

 

Um garoto leva-nos, ao que ele afirmava, ser o melhor restaurante da região. Que ficava bem lá em cima. E aquele lá em cima não chegava nunca. Valeu a pena a escalada. Pelos pratos que nele saboreamos. Pelas cervejas geladérrimas. Pelo conjunto musical que nos brindou com um pout pourri de boleros e salsas caribenhas.

 

 

 

 

 

Pelas mesas, folhetos mostrando as festividades que, em cada noite, estendiam-se pela cidade. A tarde corria. Fomos visitar as casas onde o restante de nosso grupo se hospedava. Fiquei encantada. Refeições servidas em baixelas de prata e finas porcelanas. Móveis de tirar o fôlego. Simpatia imensa das famílias anfitriãs.

 

 

 

 

Calor abrasador não me convidava para continuar a peregrinação pelas estreitas ruas de Trinidad. Já os raios do sol faziam os seus malabarismos pintando o horizonte com uma mescla de cores sequer imaginada antes por mim. E assim, de um deslumbramento atrás do outro seguimos de volta para as brisas do mar de nosso hotel.

 

 

 

 

E eu em meio às palmeiras que tanto amava. Não sei quando começou esta paixão. Porque um dia eu me deparei a rabiscar palmeiras em qualquer papel a meu alcance. Toscas palmeiras que minha mão, nada hábil na arte do desenho, tentava fazer com que alcançassem o mar ali ao lado, à tênue luz de um imaginário luar.

 

 

 

 

Assim passei por longo, longo tempo, em minha vida. E ainda passo. Rabiscando palmeiras. Nas poucas tentativas de aprender pintura também lá estavam elas, as minhas amadas palmeiras. E sempre a me perguntar o porquê desta obsessão por palmeiras. Eu não nasci “à sombra de uma palmeira que igual não há”.

 

 

 

 

Essa minha busca real por palmeiras, debruçadas sobre o mar, é contínua. Inúmeras praias vislumbradas e elas lá estavam. Mas sempre longe do mar. Porque aquelas que as prateadas espumas por tantos séculos beijaram, já haviam sido banidas. Em seu lugar só encontrei cadeiras de plástico, mais confortáveis, segundo os preceitos de nossa civilização.

 

 

 

 

Mas no verão de 2014, verão dos trópicos do lado de cima da linha do Equador, eu encontrei o meu paraíso repleto de palmeiras à beira-mar. Que não era um mero paraíso imaginário.

 

 

 

 

Lá estavam as lindas e verdejantes ramagens debruçando seus enormes e majestosos cílios sobre um mar de infinitas cores, sobre um cristalino e cálido mar que carrega em seu bojo todas as tonalidades do mais claro verde até o azul mais escuro que se delineia lá longe nas fímbrias do horizonte.

 

 

 

 

Cores que, mesclando-se às cores do crepúsculo, impregnadas ficam com todos os tons que se emaranham, desde o pálido amarelo até o mais rubro vermelho, entrelaçados ainda nos lilases, em cada amanhecer, em cada entardecer…

 

 

 

 

Vagando pelas areias da linha d’água, com todo aquele verde embalando-se a minha frente, eu ouvia um sussurrar baixinho entre as ondas do mar e o farfalhar das palmeiras. Só poemas dos deuses e das musas soavam em meus ouvidos e o cântico dos cânticos ali estava sendo entoado.

 

 

 

 

E entre as esguias e altaneiras árvores de beira-mar deixávamo-nos ficar, deitados e refestelados, nas areias sombreadas. Nos espaços entre as palmeiras erguem-se abrigos, pequenos quiosques hexagonais, cobertos com estas verdes ramagens para um sombrear mais abrangente.

 

 

 

 

E ali se passavam as horas, dia após dia, enquanto saboreávamos puros sucos de fresquíssimas frutas tropicais com branca espuma de cristais de gelo.

 

 

Trinidad/Shutterstock

 

E ali se passavam as horas, dia após dia, enquanto deslumbrávamo-nos com as cores daquele mar, daquele céu vestido de azul-esplendor, debruçados ou recostados em longas cadeiras de madeira, lendo, escrevendo, cantando e contando das coisas todas das vidas nossas.

 

 

E ali se passavam as horas, dia após dia, imergindo e flutuando, nadando e boiando naquelas tépidas, límpidas e cristalinas águas de ondas amigas de um mar sem fim.  Saborear lagostas recém retiradas do fundo do mar, ali, à sombra dos palmeirais com as Bucaneros* mais polares do mundo, vocês podem ter certeza de que igual não há.

 

 

 

 

Mas o dia da despedida chegou. Tomamos nosso último café da manhã. Compramos nossos últimos suvenires nas tendas anexas ao hotel. Incluindo os indefectíveis charutos cubanos que muitos amigos haviam encomendado. Porque afirmam os entendidos que quem se delicia uma vez com um charuto da paradisíaca ilha cubana, jamais aceitará outro.

 

 

 

 

Instalamo-nos em uma van, bem espaçosa e confortável, e partimos de volta para Havana. As tias de Tereza já haviam retornado há dias para casa. Suas amigas tomaram um ônibus de linha. Foi, talvez, a mais divertida viagem, entre tantas que fiz na vida. Inesquecível o amigo Renato Azevedo a fazer piada de tudo e com todos. Em um paradouro típico da estrada pudemos ainda nos refestelar com deliciosos mojitos. Ali encontrei o que desde Havana procurava. Uma escultura de um cavalo empinado, em madeira.

 

 

 

 

 

Chegamos ao Meliá Cohiba de Havana em tempo para nos deliciarmos à beira das piscinas. Eram as nossas últimas horas em Cuba. Eu queria fazer uma surpresa para Tereza. E reservamos um jantar no restaurante do hotel.

 

 

 

Antes que a noite chegasse, mais alguns passeios em torno do Meliá Cohiba, que fica junto ao cais de Havana, em Vedado. Com palmeiras à beira mar. De onde desfrutamos de nosso último por de sol caribenho. Foi uma despedida de luzes e cores que se revezavam em ondas, em torno e atrás de múltiplas nuvens que dançavam no céu. E uma leve brisa a balançar as fímbrias dos ramos das maravilhosas palmeiras.

 

 

 

 

Formamos uma bela mesa. Estávamos agora em doze pessoas. Um delicioso jantar. Com direito a brindes, discursos e homenagens. E inigualáveis fotos e vídeos de Lele Fuck. Foi a nossa celebração, em família, para a minha novel coleguinha médica.

 

 

 

 

Na manhã seguinte o nosso último café da manhã. Um bufê com tantas iguarias quantas as que são servidas no desjejum de todas as partes do mundo. E uma algaravia de idiomas e das mais variadas vestimentas a desfilar pelos salões e corredores.

 

 

 

 

Arrumar a imensa bagagem que se formara em todos aqueles dias envolveu-me o restante da manhã. Tomaríamos o voo das dezessete horas rumo à cidade do Panamá. Precisávamos chegar cedo no aeroporto. Mas as butiques do hotel ofereciam ainda tanta coisa que não poderíamos deixar de levar para casa.

 

 

 

Foi só então que começaram a cair as primeiras gotas de chuva daquele agosto que já ia a caminho. E torrentes de água caíam do céu, enquanto nós nos dirigíamos ao aeroporto.

 

 

 

 

No Cidade do Panamá, novamente, correr pelas esteiras rolantes até chegarmos ao nosso portão de embarque a fim de tomarmos nosso voo com destino ao Rio de Janeiro. A espera foi longa. Inúmeros voos, vindos de tantos lados, ali se cruzam.

 

 

Na tarde seguinte já estávamos a caminho de casa. Da janela do carro, embevecida fiquei a olhar as nossas solitárias e últimas araucárias que ainda, altaneiras, apontam suas taças para o céu brindando a vida, brindando…

 

 

 

*Cerveja de Cuba

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