Uma noite no Lido… e depois a Bélgica

Leia nova coluna de Adair Dittrich                                                                                                        

      

Nossa última noite em Paris terminou no Lido, famoso cabaré, cheio de malícia e picardia da noite parisiense.

Mas, jantar era preciso. Enquanto não chegava a hora de entrarmos no Lido ficamos saboreando as delícias da cozinha francesa enquanto o mundo desfilava a nossa frente pela Avenida Champs Elisées.

Avenida Champs Elisée
Avenida Champs Elisée

Por ela tudo passa. Eu vi risonhos palhaços com sua marca registrada, a bolinha vermelha grudada na ponta do nariz, a imitarem os trejeitos e o andar dos transeuntes.

Eu vi tristes garotas desfilando elegantérrimos trajes das Grands Maisons, do alto dos finos saltos de suas ricas sandálias, a enxugarem lágrimas com lenços da mais pura seda.

Eu ouvi gargalhadas histriônicas de barulhentos rapazes dando vivas ao mundo.

Eu vi encolhidos vagabundos ensimesmados em torno de um cigarro de papel.

E eu vi a banda passar.

Porque era o dia em que veteranos da Segunda Guerra Mundial desfilam, garbosamente, com suas reluzentes medalhas ao peito.

Lido Paris/Arquivo
Lido Paris/Arquivo

Mas a hora de entrarmos no Lido chegara. Outro êxtase inenarrável. Ouviu-se tanto, de tantas pessoas, leu-se tanto de tantos críticos, viu-se tanto dele em tantos filmes, mas, lá entrar e desfrutar daquele clima, ouvir aquelas músicas como pano de fundo, ser levada com honras para a mesa reservada … não, não há o quê ou como explicar.

Com cantores e malabaristas, com bailarinos e equilibristas, com mágicos e comediantes, com uma orquestra inteira, afinadíssima, a nos brindar com as mais clássicas canções populares que percorrem o mundo.

Assombrar-se com cavalos e carruagens a cruzar o palco em disparada. Arrepiar-se com o rugido dos motores de um avião que, inopinadamente, adentra o cenário.

Olhar as cenas que vão se intercalando, sempre com um novo fundo, sempre com novas imagens, que vão rodando, rodando … naquele palco giratório, como num filme a nossa frente.

Para lá eu voltei outras vezes. Mas a primeira é sempre a mais deslumbrante.

Desfrutamos de nosso último café da manhã no camping de Joinville com os inigualáveis croissants e os longos baguetes que, como ripas, sob os braços são levados.

Um cerimonial o desengatar o trailer das amarras, dos canos e dos cabos elétricos. Cerimonial que Alberto ia se desincumbindo com todo o esmero que lhe é peculiar.

Nosso próximo destino era Bruxelas, onde, também em um camping, ficaríamos. E de lá nossos amigos regressariam para a Alemanha, enquanto Jucy Seleme e eu ainda vaguearíamos pelas imediações por mais uns dias.

Como sempre, Alberto não dirigia em alta velocidade a fim de bem podermos apreciar as belas paisagens pelos caminhos da França e da Bélgica.

E assim pudemos desfrutar de um panorama diversificado, com bosques e campos entremeados de sítios e fazendas de gado, de pomares e casario que pela imensidão se espargia.

"El Montículo del León” no campo de batalha de Waterloo que marcou o fim do império de Napoleão
“El Montículo del León” no campo de batalha de Waterloo que marcou o fim do império de Napoleão

Almoçamos em Waterloo, já na Bélgica, num restaurante junto ao estupendo Memorial.

Não sei dizer quais as sensações que em meu âmago se infiltraram, que por mim transpassaram ao ver aquela demonstração do que teria sido a célebre batalha da fragorosa derrota de Napoleão.

Lembro-me da construção que me parecia ao estilo de um imenso quiosque de formato icosagonal. Dentro dele passamos por um corredor que o circunda. E foi dele que vislumbrei soldados ensanguentados caídos em campo de batalha. Que vi canhões e balas fumegando no espaço. Que vi fumaça a cobrir cenários. Que ouvi espadas rangendo no ar. Que vi, ao longe, em disparada, um garboso cavalo de branca plumagem, cauda e crinas ao vento levando em seu lombo a imponente figura do até então invencível Bonaparte, cavalgando em sua derrota rumo ao nada, purgando a sua rendição final.

Um estático teatro que estática me deixou.

Cabisbaixas imagens de históricas personagens que cabisbaixos nos deixaram.

Um palco retratando o fim de uma guerra.

Por que não foi a última guerra do mundo?

Creio que poucas palavras proferimos ao dali sairmos rumo à Bruxelas.

Bruxelas
Bruxelas

Bruxelas, a capital da Bélgica, aonde em pouco tempo chegamos. Foi em um camping, em seu entorno, que nos instalamos. Com o indefectível cerimonial de instalação do trailer a repetir-se. Um camping mais modesto que o de Joinville. Mais bucólico, porém. Rodeado de árvores. Menos buliçoso. Mais natureza.

Há muito para se ver em Bruxelas onde se fala francês, holandês e o brabântico, dialeto regional, além da costumeira algaravia corrente em todos os locais por onde andamos naquele verão europeu.

Grand Place, Bruxelas
Grand Place, Bruxelas

Em um café, entre as colunas dos centenários prédios que margeiam a Grand Place rabisquei meus cartões postais, como sempre, e tomei um chá de menta para apagar as labaredas que estavam tomando conta de meu estômago. Inesquecível e forte chá de menta. Igual nunca havia saboreado. E jamais encontrei outro que, em poucos minutos, apaziguasse o fogo e a dor que estavam me corroendo.

E então nos enfiamos pelos labirintos das ruas adjacentes a fim de admirarmos e sentirmos o que Bruxelas oferece de belo e de bom.

Igreja de Notre Dame du Sablon
Igreja de Notre Dame du Sablon

Neste resto de tarde muito andamos para vermos a Igreja de Notre Dame du Sablon com seus vitrais de quinze metros de altura, o Palácio Real, residência oficial da monarquia belga, com seus floridos jardins, a Catedral de Saint Michel e Saint Gudule, dentre tantas construções mostrando variados estilos arquitetônicos.

A noite nos encontrou ainda a vagar pelas ruas. Era hora de retornarmos para um repouso entre os bosques. Porque o dia havia sido intenso.

E muito a se ver nas nossas andanças de um outro dia pela bela capital belga. O prédio do Parlamento Europeu, em concreto e vidro, e a seu redor tantas outras construções em estilo moderno.

Parlamento Europeu
Parlamento Europeu

Ver o Atomium era imprescindível. E do mais alto dos glóbulos descortinar a cidade. Visitar o Parc du Cinquentenaire com seu Arco Triunfal.

Mas, o mais badalado e mais procurado ponto turístico de Bruxelas é justamente uma pequena estátua em local aparentemente até sem graça. É o famoso Manneken Pis. O famoso menino urinando na fonte.

E bem tarde já almoçamos em um restaurante que tinha suas mesas entre as colunas de um dos prédios da Grand Place. E nos deixamos ficar ali a descansar das caminhadas e a conversar.

Parecia-me que eu estava sentada no auditório de um grande teatro tendo por palco a grande praça onde tudo acontece.

Manneken Pis
Manneken Pis

Num repente as pessoas que se aglomeravam a nossa frente foram se afastando, deixando um grande espaço aberto. Componentes de uma orquestra sinfônica foram chegando com seus instrumentos. Outras pessoas foram trazendo cadeiras e suportes para as partituras.

O maestro sobe em um púlpito circular, bem ao centro e o espetáculo musical tem início. O burburinho na praça cessa. Impera o silêncio.

Com instrumentos de corda, sopro e percussão sobem ao ar os acordes de excertos de concertos e sinfonias dos grandes mestres da música. Duas horas de um concerto glamoroso. Ao ar livre. Em plena tarde de um dia comum de verão na Grand Place de Bruxelas.

Após o primeiro intervalo aplausos ressoaram por todos os cantos durante infindos minutos. E só então eu me levantei e do alto de uma cadeira pude ver o mar de pessoas na praça. O infindável mar de pessoas que, em silêncio profundo na praça se encontravam para encher os ouvidos com os mais puros sons de uma orquestra sinfônica.

Com estes acordes na cabeça e assobiando e cantarolando, à boca chiusa, as melodias que lá na Grand Place ouvíramos, continuamos nossas andanças pelas ruas de Bruxelas em busca de outros tesouros.

 

Rolar para cima