Viagem de fim de curso

Leia coluna de Adair Dittrich que fala sobre recepção e surpresa na chegada a Assunção                                       

 

A Seleção Brasileira jamais tinha sido campeã do mundo de futebol. Estávamos em pleno voo entre Foz do Iguaçu e Assunção, enquanto, nos verdes gramados da Suécia, desenrolava-se a etapa final da Copa do Mundo de 1958.

 

Assim como acontecera no voo anterior, o Comandante da aeronave ia relatando os lances mais espetaculares da partida.

 

E o nome mais ouvido era o de um garoto de dezessete anos que estava fazendo furor em campo. Pelé era o menino que fazia balé com a bola nos pés, Pelé, um franzino menino que viera das Minas Gerais, da cidade de Três Corações e já havia deslumbrado a torcida santista.

 

Sobrevoávamos as planuras paraguaias no momento em que, no gramado do Estádio Rásunda, em Estocolmo, foi ouvido o apito final do grande embate de futebol que fez o Brasil inteiro vibrar. Que fez o Brasil inteiro soltar a voz, aquela voz que estava entalada na garganta há tantos anos, a voz que saiu estalando pelos ares, ribombando pelas colinas, a voz que entoava uma palavra só. Campeão!

 

E nós estávamos em pleno voo a caminho de Assunção. Nosso grito de ufanismo precisava ser mais contido. Amenizado precisava ser. Não poderia se expandir através das gélidas e metálicas paredes da cabine de uma aeronave.

 

Com incontida alegria ainda, entramos no saguão de desembarque do aeroporto de Assunção e, preocupados em não magoar sensíveis corações em terras estrangeiras, fomos segurando nosso exacerbado ânimo.

 

Sem termos noção para onde nos dirigirmos, sem saber qual destino tomar e nem onde pernoitaríamos, deparamo-nos com alguém que, sorridente, nos acenava com um cartaz de boas-vindas aos formandos de 58 da FMUFP. Era para nós! E em sua direção felizes fomos correndo.

 

Era um brasileiro, estudando medicina em Assunção. Uma pequena recepção de tão grande alcance. Nem mesmo ele soube nos explicar como ficara sabendo de nossa chegada. Recebera um comunicado do consulado brasileiro e lá estava ele a nossa espera. Nossa dedução: coisas do Cônsul do Paraguai que em Foz do Iguaçu visitáramos.

 

Antônio, seu nome era Antônio, levar-nos-ia para a pousada onde estava hospedado desde o começo de seu curso de medicina, em Assunção.

 

Enquanto a bagagem ia sendo desembaraçada e aguardávamos a finalização das imprescindíveis formalidades aduaneiras, fomos, minha colega Maria Oristela Stangier, a quem todo mundo apenas conhecia por Mausi e eu, em busca dos sanitários. E lá encontramos um primeiro item da indústria brasileira, o rolo de papel higiênico. E, além dele, muitas outras coisas aqui fabricadas por lá fomos encontrando. Olhamo-nos surpresas. Não, nem tudo era oriundo dos Estados Unidos…

 

Então, ciceroneados por Antônio, embarcamos no ônibus que nos levaria ao local de nosso primeiro pouso em terras estrangeiras. O crepúsculo do entardecer já desenhava suas cores nas águas do rio Paraguai e o espetáculo de um sol poente a tudo dourando foi me deixando com as emoções em ebulição.

 

E Antônio ia nos apresentando aos históricos monumentos por onde passávamos. Com a promessa de, no dia seguinte, em plena luz radiante, tudo poderíamos ver com mais detalhes.

 

Chegamos à pousada. À pensão de Antônio. Impressionei-me de imediato com o estilo de sua construção. Parecia ser, a meu ver, coisas da época da colonização espanhola, do século dezoito ou dezessete, talvez. Provida de dois pavimentos. O térreo sobressaindo-se de forma espetacular.  O edifício fora edificado em torno de um grande pátio central em forma quadrilátera. Ladeado era este pátio de imensas varandas cobertas onde sobressaía uma bela colunata.

 

Para as varandas confluíam inúmeras portas que eram as portas dos cômodos da vetusta mansão. E eu fiquei ali a imaginar a quem aqueles tetos teriam abrigado nestes séculos que nos antecederam.

 

Anoitecera de todo já, quando, finalmente, estávamos todos já instalados, banhados e trajados para um jantar que se fazia necessário. Discutíamos entre nós para que local nós nos dirigiríamos nessa nossa primeira noite em plagas estrangeiras quando, sempre sorrindo, entra o amigo Antônio com as mãos carregadas de convites que eram a nós dirigidos.  Estávamos sendo convidados para participarmos de uma festa onde se comemoraria o triunfo da seleção canarinho. Que seria na Aditância Militar anexa à nossa Embaixada.

 

Olhamo-nos aturdidos. Com que traje? Antônio sorria. Sempre sorria. Não havia problema. À época um terno e gravata para os homens era o trivial, o comum. E para as mulheres os vestidos soirées curtos como os que estávamos usando era a moda correta para a ocasião. Nada de roupas de gala.

 

E lá fomos nós a caminhar pela imensa noite paraguaia, pela mística noite de Assunção, saboreando um clima ameno em pleno inverno, em torno da grande baia em que se transforma o longo e agora extremamente largo rio que a cidade envolve. Um rio que me parecia imenso lago de prateadas águas com a fulgurante lua cheia nele a se refletir em toda a sua majestade.

 

A festa estava já em andamento quando lá chegamos. Fomos recebidos com a maior gentileza e carinho pelo Adido Militar e seu entourage.

 

Pudemos apreciar a culinária nativa associada aos típicos pratos da cozinha brasileira.

 

Músicas em tamborins, pandeiros, flautas, cavaquinhos e violões em batucadas de um samba bem sincopado revezavam-se com as guarânias soladas nas tradicionais harpas paraguaias, nas flautas de múltiplos tubos e nas guitarras de muitas cordas.

 

Sentimos a alegria de nossos irmãos vizinhos com a conquista da seleção canarinho e que fora em vão a contenção do extravasamento de nossa alegria na hora em que o solo do país amigo nós pisávamos.

 

O dia seguinte nos esperava para muito nos mostrar. Mas, inolvidável foi esta nossa primeira noite em terras guaranis.

 

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