Adair Dittrich viaja de Assunção a Montevideo
Há sessenta anos as aeronaves não atingiam a velocidade que hoje atingem. E nem chegavam às altitudes atuais. Em nossa viagem de Assunção a Montevideo pudemos nos deleitar, vislumbrando, por momentos não muito longos, os meandros do Chaco. Logo, o nosso avião tomaria a direção sul, afastando-se desse maravilhoso território e a paisagem foi sendo substituída por campos e colinas verdejantes.
Deixáramos nossa pousada em Assunção em uma fria e nebulosa manhã. E muitas horas foram decorridas até desembarcarmos no aeroporto de Carrasco em Montevideo. O Mar del Plata com os raios do sol nele refletidos sorria para nós. E pudemos descortinar, ainda do alto, toda a beleza da cidade em torno daquela baia.
Até que todos nós nos acomodássemos em um hotel, e saíssemos para um reconhecimento da praça em frente e seus arredores, o sol já caminhava célere para mergulhar naquelas águas. Era inverno e estávamos já no Paralelo 34 Sul. O anoitecer chegaria célere.
E agora estávamos ali a admirar o platino rio que vira mar que vira prata que é o rio e o Mar Del Plata na despedida do dia, na despedida do sol.
Ainda pudemos nos deleitar com as deslumbrantes construções dos bairros vizinhos e, por muito tempo ainda, andamos admirando os jardins da orla platina enquanto procurávamos um restaurante onde coroaríamos o nosso primeiro dia na capital do país que um dia já fora a Província Cisplatina.
Atraídos pelo som de um bem afinado bandônion, que estava a solar “La Cumparsita”, entramos em um aconchegante local para jantar.
Sim, Montevideo também esbanjava tangos. E ostenta a glória de uruguaio ser o compositor do mais famoso deles.
Sim, G. H. Matos Rodriguez, autor do lindo e afamado tango que estávamos a ouvir era uruguaio.
Era um restaurante típico da época, típico da região sul do continente, com muitas mesas pesadas, de madeira escura, e, sempre cobertas com alvíssimas toalhas de linho. Ao centro a indefectível garrafa de água gaseificada. Eram garrafas de vidro, grossas, pesadas, próprias para se guardar água com gás e com uma tampa diferente chamada sifão. Podia-se tomá-la pura, adicionando um destilado ou mesmo misturá-la ao vinho. E sempre água fresquinha e saborosa.
Ficamos estarrecidos com o tamanho do que naquelas latitudes era chamado de “baby-beef”… Chegava quase a sair para fora do prato. E acompanhado sempre ou com papa frita ou com papa suflê. A salada, sempre de verdes folhas e tomates, era servida em um pratinho ao lado.
O que havíamos programado ser um breve jantar estendeu-se por muitas horas. Impossível sair deixando para trás as melodias soladas naquele plangente bandôneon. Por muitas mais horas lá teríamos permanecido a ouvir aquele jovem músico com seus tangos e demais melodias platinas. Mas, o cansaço e o sono nos obrigaram a retornar para o hotel.
Nosso grupo era composto por dezenove pessoas, nós os dezoito acadêmicos e mais o Professor Ernani Simas Alves que nos acompanhava. Éramos um grupo heterogêneo no tocante a gostos. Enquanto alguns preferiam desfilar pelas noites e ficar dormindo até mais tarde, outros já bem cedo começavam suas andanças para conhecer a cidade. Alguns visitavam museus, outros chás dançantes nas tardes nevoentas.
Eu tinha um roteiro diferente dos demais. Desde Foz de Iguaçu, depois em Assunção e agora em Montevideo ficava horas dedilhando uma máquina de escrever. Sim, os hotéis sempre me cediam um espaço em seus escritórios onde eu poderia colocar em dia descrições dos locais que percorríamos. Apresentava-me nas redações dos jornais exibindo minha Carteira de Jornalista Profissional e as credenciais do jornal “O Dia” de Curitiba onde eu tinha uma página. E logo os fotógrafos me cediam fotos que aos meus textos eu ia juntando.
Precisava também sempre correr até as agências da Varig, a companhia aérea pela qual viajávamos. E pela Varig minha matéria chegava a Curitiba, chegava ao jornal “O Dia”. E a minha coluna por suas páginas continuava, por inteiro, durante a minha prolongada ausência. E sempre citava-se que a coluna vinha diretamente de uma determinada cidade por cortesia da Varig.
Foi assim que conheci estupendos jornalistas, fotógrafos e redatores de jornais como “El Pais”, de Montevideo e “La Nación”, de Buenos Aires. Chamavam-me de colega periodista.
Então nós nos separávamos em pequenos grupos e cada qual fazia o roteiro a seu gosto. Mas, havia um local que todos queríamos conhecer. Era o mundialmente famoso Estádio Centenário. Era o local onde havia sido realizada a Primeira Copa do Mundo de Futebol, a Copa de 1930.
Em seu interior, olhando o verde gramado, sob as coberturas das arquibancadas, sentia-se a glória de tantas vitórias da Celeste Olímpica, a então estupenda seleção uruguaia. Sentia-se, na face dos que nos receberam, a solenidade que sempre envolveu aquele local com a grandiosidade que significava ter sido a sede inicial de algo que se perpetuaria na história do futebol.
Na manhã daquele dia percorrêramos o afamado Bairro Carrasco deslumbrando-nos com a imponência arquitetônica de suas mansões.
Como em todas as cidades antigas muita beleza há para ser vista. Monumentos pelas praças e jardins, teatros e prédios históricos.
Não poderíamos perder uma visita pela “Ciudad Vieja”. Visitamos primeiro o Teatro Solís com toda a sua majestade, seus imponentes camarotes, suas poltronas de veludo, seu deslumbrante palco, seus camarins e bastidores. Caminhando ao léu chegamos ao Mercado del Puerto e lá pudemos provar o legítimo churrasco uruguaio vendo as carnes, e até os miúdos do gado, sendo grelhados à nossa frente.
Na noite anterior passáramos pelo bairro Pocitos onde existem muitos restaurantes, mas passear pela Rambla de Pocitos é ver a cidade de outros ângulos com toda a claridade de um luminoso dia.
Fora mais uma jornada intensa em nossas vidas. Mas, mesmo assim, fomos atrás de um local onde se ouvisse música, se dançasse e se cantasse junto com os menestréis e a tudo isto ainda se acrescentasse um surpreendente jantar de fim de noite.
A alegria e a receptividade que sentimos aquela noite, junto daquelas pessoas com as quais conversávamos, ficou marcada em nossas memórias.Não nos estendemos madrugada adentro porque na manhã seguinte,bem cedinho, um ônibus levar-nos-ia para conhecer Punta de Leste e outros balneários pelo caminho.