Viagem de fim de curso (V)

No quinto capítulo sobre a viagem pela América do Sul, Adair Dittrich está caminhando por Buenos Aires

 

Eram decorridas já muitas horas entre o nosso amanhecer em Montevideo e o desembarque no cais de Buenos Aires. Formalidades na aduana do Uruguai. Etiquetagem de malas. Vistoria de bilhetes de embarque e mais estas solenidades todas que se sucedem à saída de um país e o se entrar em um barco com destino a outro.

 

Enfim, vagávamos pelas nem tão plácidas águas do Rio-Mar del Plata. Enfim, eu avistava a cidade que por minha mente vagava desde a minha mais remota infância. Lá, ao longe, a aristocrática Buenos Aires, a exuberante Buenos Aires, a encantada e decantada, e tão cantada em tangos, cidade de Buenos Aires.

 

Muito dela, aqui entre nós, já se falava. As ondas curtas do rádio nos brindavam apenas com duas emissoras cariocas que nos proporcionavam programas variados nas tardes modorrentas de verão ou nas gélidas tardes invernais. Para variar um pouco, sintonizávamos as rádios Belgrano e El Mundo da capital portenha e nelas ouvíamos notícias, tangos e publicidade do que lá era oferecido para se comprar.

 

Mas, para mim, algo mais havia.  Minha madrinha, que era Olsen, de Marcílio Dias, há anos já em Buenos Aires vivia. E, de lá enviava-me não apenas cartas contando de tudo, mas, também, inúmeras revistas de moda e variedades.

 

Aquele universo todo já pipocava em minha cabeça. Faltava apenas vivê-lo com todos os sentidos. E com todos os meus sentidos fervilhando em seu máximo deixei o barco que das costas uruguaias nos trouxera.

 

Logo que no hotel nos instalamos telefonei para minha madrinha. Que, por carta recebida de minha mãe, contando de nossa viagem, angustiada se encontrava à minha espera.

 

Foi assim que já no dia seguinte, logo após o café da manhã, chega ela, bela e radiante para comigo se encontrar. Pedi desculpas aos meus colegas por deles naquele dia me separar. Porque aquele seria um dia especial que, em Buenos Aires, com minha madrinha Elfrida Olsen eu passaria.

 

E o nosso primeiro passeio foi através da Calle Florida. Realmente uma rua florida, de lado a lado semeada de jardineiras cobertas de flores. Em pleno inverno. Que era larga e por onde apenas pedestres passavam.

 

Lojas, inúmeras lojas exibindo em suas vitrines os mais elegantes trajes, calçados e acessórios tanto femininos como masculinos. Além das inúmeras joalherias por lá espalhadas. Luxuosas e elegantérrimas lojas, que pelas explicações de minha madrinha, não eram para os nossos bolsos. Para os nossos olhos, sim. Para o nosso deslumbramento, sim.

 

Levou-me para visitar locais que, usualmente não são mostrados aos turistas, como pequenos teatros que tinham paredes cobertas com fotos e quadros com dedicatórias devidamente assinados por artistas de renome internacional. Artistas que em seus palcos já haviam se apresentado.

 

Também levou-me a uma pequena igreja aonde ela costumava rezar sozinha e quieta nas tardes em que para o bulício do centro da cidade grande ela vinha. Igreja simples com artísticos vitrais carregados de imagens que contavam da vida do Mestre dos Mestres.

 

Tantas pequenas coisas ela me mostrou naquela ensolarada manhã de inverno da grande cidade. Almoçamos, já bem tarde, como é costume lá, em um restaurante da Calle Corrientes. E, claro que só poderia ter sido uma bela macarronada al sugo.

 

Por horas ainda caminhamos por aquelas ruas tão largas e tão bem desenhadas, sem meandros e sem ruelas. E sobre cada monumento uma história ela tinha para me contar.

 

À tardinha avisou-me que deveríamos apenas comer uma fruta como lanche porque para a noite uma surpresa estaria reservada para mim. Saboreamos uma daquelas perfumadas e saborosas maçãs,acondicionadas em finíssimo papel de seda azul, produzidas em terras argentinas e que são encontradas em inúmeras tendas.

 

E assim, a tudo olhando e desfrutando o fim da tarde fomos em direção aos subterrâneos de Buenos Aires a fim de tomarmos o trem, lá chamado de Subte, que nos levaria a Belgrano, o bairro onde ela morava com sua irmã Luiza e seu cunhado.

 

Descemos as escadarias e uma arquitetura em cimento e ferro surpreende-me naquele subsolo. Uma arquitetura que me remeteu aos primeiros anos do século XX quando aquele metrô foi construído, sendo ele, sem dúvida, o mais antigo da América Latina. Por ele rodamos, em grande rapidez, por muitos quilômetros. O crepúsculo do entardecer já se encontrava a caminho quando à superfície chegamos.  Algumas luminárias já começavam a mostrar a sua exuberância do alto de alguns postes espalhados pela grande avenida.

 

Muitas quadras ainda nos separavam de nosso destino. E, no caminho, minha madrinha aponta para mais uma pequena igreja. Igreja que era dedicada à Nuestra Señora de Lujan, considerada a padroeira não só da Argentina, como do Paraguai e do Uruguai também. Então ela me explicou a história deste nome dado à Nossa Senhora, como também me falou da grande Basílica que existe nos arredores de Buenos Aires em um local chamado Luján. Visita que o nosso grupo não poderia deixar de fazer.

 

E naquele lusco-fusco crepuscular fui me encantando a cada vez mais com o elegante bairro aonde minha madrinha morava. Fomos cruzando avenidas largas e sempre arborizadas até encontrarmos a rua 11 de Septiembre e a casa encantada que de fotos eu já conhecia.

Já na chegada um ar de festa. Receberam-me com flores e presentes. E música. Não havia muitas pessoas. Apenas os donos da casa e mais algumas pessoas. Entre elas o velho médico que há anos os atendia, acompanhado de sua esposa e filhos e os vizinhos mais próximos.

 

Foi uma noite maravilhosa, com um delicioso jantar, com finas melodias, com cultura extravasando em cada frase, desde o aperitivo até o cafezinho final.

 

Fazia-se tarde já. E a distância para o hotel era grande. Mas, tudo já estava previsto e um dos filhos do médico iria deixar-me em meu canto.

 

Um dia inigualável no qual tanto vi, tanto ouvi e tanto vivi.

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