Adair Dittrich segue explorando Buenos Aires
Implícito estava, não por elaborados contratos, mas nas conversas no decorrer da programação de nossa viagem, que cada um era dono de seu próprio itinerário, que cada um poderia passear por onde melhor lhe aprouvesse.
Mas, exceções havia. Para alguns passeios e visitas solicitava-se a participação de todo o grupo. Era a visita à Faculdade de Medicina, ao Hospital de Clínicas de Buenos Aires e às dependências de uma grande indústria de produtos farmacêuticos que era o Laboratório Lepetit. E os dirigentes daquela indústria fizeram deste dia um dia muito especial.
Logo após o nosso café da manhã encarregados da empresa farmacêutica já se encontravam à nossa espera, às portas do hotel, com um ônibus especial. Era, realmente, um belo panorama, o panorama que ao longe já vislumbrávamos. Vários prédios de tijolo à vista, sobressaindo-se com sua coloração vermelho alaranjada em meio ao verde dos arbustos que os rodeavam e ao gramado de onde pareciam emergir.
E dentro de todos aqueles prédios percorrendo corredores e entrando em inúmeras salas pudemos apreciar a elaboração de toda a gama de medicamentos que lá era produzida.
A manhã correra rápida entre tantas conversas, explicações e andanças. Era hora de almoçarmos. Era hora já até de almoço portenho. Levaram-nos a um restaurante muito fino. Suculentos e macios filés oriundos do mais refinado gado argentino foram servidos em aquecidos pratos. Com as tradicionais “papas suflês”. E acompanhados de um vinho de inigualável sabor.
Preocupados estávamos com as visitas que ainda deveríamos fazer naquela tarde, quando o presidente da companhia, uma vez mais nos surpreende. Coloca o ônibus da empresa à nossa disposição.
Visitamos então a vetusta Faculdade de Medicina que teve os seus primórdios quase no início do século dezenove. O velho edifício, em meio a outros mais modernos, lá se encontrava. Sobressaindo-se com o estilo arquitetônico clássico que marcou aquela época.
Imponente e completo Hospital anexo à faculdade. Com todas as especialidades reunidas em um único local. Sonho ainda distante de nossas vidas naquele ano de um mil e novecentos e cinquenta e oito, o sonho de um Hospital de Clínicas anexo à nossa Faculdade em Curitiba.
Fora um dia dedicado ao que dentro de nós havia. Para as coisas de nossa futura profissão, para o que mais dentro de todos nós cantava. Um dia dedicado a ver e sentir os problemas e as conquistas que o futuro teria para nos mostrar. O aqui e o lá. O agora e o depois.
Anoitecera de todo quando ao hotel retornamos. E fomos então em busca de um local onde pudéssemos nos encontrar e nos encantar com os mais belos e vibrantes passos dos bailarinos de tango, ao som dos famosos bandoneons, que, pelos tempos ecoam pelas ruas e salões da mística capital portenha.
Tanto a se ver naquela cidade. Tanto a se ver em seus arredores. Andávamos a pé com um mapa às mãos. Circulávamos a cidade dentro de ônibus ou pelo Subtê.
Alertaram-nos para que fizéssemos compras em bairros mais afastados onde encontraríamos produtos locais a preços mais compatíveis para os nossos bolsos. Precisávamos encontrar roupas adequadas ao frio que iríamos, em breves dias, enfrentar nas montanhas de Bariloche. Foi assim que nos abastecemos com jaquetas de camurça e roupas de pura lã. O Subtê aos mais longínquos locais nos levava.
Depois das compras chegamos em La Ricoleta. Porque era um local altamente recomendado desde sempre. Cemitério rodeado de jardins. É um dos mais visitados do mundo, talvez tanto quanto o Père Lachaise de Paris. Creio que o que mais chama a atenção não é o luxo das lápides ou a ostentação dos túmulos. A intensa romaria é para ver, admirar e chorar diante da última morada de Evita Perón.
Vislumbrar o ângulo multicolorido do Caminito enche os meus olhos ainda hoje. Lembro-me daquela imagem limpa. Lembro-me da diversificação de cores em cada porta e em cada janela, de lado a lado. Fulgurantes. Mágicas. Carlos Gardel com toda a sua imponência em uma imagem que parecia de sonho. Dava até para imaginar que se ouvia a imponente e lírica voz dele a cantar as poéticas frases da famosa canção. Bandoneons pelos cantos solando tangos. No ar, o aroma dos assados argentinos. Nas mesas, as taças de vinho. Nas calçadas, as risadas cristalinas.
Não havia inundação de barracas vendendo o que se fabrica no extremo oriente. Apenas algumas portas abertas oferecendo produtos nativos, coisas das artes indígenas, objetos feitos de barro ou palha ou madeira esculpida. Outras portas mostrando xales e mantas, botas e bolsas. E mais adiante artistas plásticos vindos das planícies distantes, que, em cavaletes, expunham suas telas.
Era um outro mundo aquele Caminito de então que eu conheci. Um Caminito tumultuado e diferente o que hoje se vê. Por isto marejam-me os olhos ao dele lembrar-me da vez primeira em que o vi, naquele multicolorido ângulo encantado.