Viagem de fim de curso (VII)

Adair Dittrich relata sua fascinante passagem pelo rio Paraná                                                           

 

Delta do Rio Paraná. Descrevê-lo como? Imagens de águas e ilhas emaranhadas ressoam em minha mente como em circunvoluções de músicas e danças de fadas num redemoinho quase fantasmagórico na tentativa de situar-me naquele místico espaço.

 

Mas, ele existe. E por suas águas e em torno destas ilhas eu naveguei. Da vez primeira, nessa nossa viagem de fim de curso. Uma infinidade de ilhas de todos os formatos e tamanhos e em contínua metamorfose. Enquanto algumas surgem, outras desaparecem. Porque o Delta é vida em moto perpétuo. Uma infinidade de ilhas espalhadas em um espaço de mais de dezessete mil e quinhentos quilômetros quadrados de água.

 

Em algumas ilhas, alguns ranchos semeados. De pescadores, talvez. Ou de nativos que lá vivem e cujos antepassados por ali aportaram há milhares de anos. Talvez. Algumas mansões incrustadas entre soberbos e místicos arvoredos cheios de sombra. Com píeres estendidos pelas margens aonde barcos dançam ao sabor das ondulações que outros barcos fazem ao deslizar pelo rio.

 

Nossa lancha percorre célere aquele emaranhado de imensos pedaços de terra. Difícil não seria por lá se perder, deslizando em pequena canoa, em busca do desconhecido, em busca de inimagináveis e bucólicos recantos. Difícil não seria por lá se esconder, em busca de espaços perdidos no fundo de nossa memória ancestral.

 

Delta do Paraná. Mistura multicolorida de águas oriundas das mais longínquas terras. Águas que trazem em seu bojo cristais e areias das minas gerais, desde as nascentes do Grande e do Verde que entre montanhas escorrem. Águas que trazem em seu bojo a sagrada terra dos Parecis onde pequenos filetes engordam o rio Paraguai. Águas que, em seu longo caminho, juntaram-se às águas dos rios e riachos que por aqui, aos nossos pés,se estendem e escoam sem parar.

 

Águas da cor do barro das barrancas arrancadas pelos caminhos por onde passam. Águas da cor do mais esmeraldino verde das árvores nelas refletido. Águas com laivos azulados do anil do espaço que nelas se espelha.

 

Foi um inesquecível passeio em que mergulhei por inteira.

 

Eu sempre encontrava um tempo entre tantas andanças para escrever os textos que, pela Varig, chegariam à redação do jornal “O Dia”, em Curitiba. Necessário era levá-los até uma agência daquela empresa aérea. E após retornarmos do passeio ao Delta para lá eu me dirigi. Mas, necessário seria subir aos escritórios. Que ficavam no mesmo edifício muitos andares acima.

 

Após conversar com o pessoal que lá trabalhava e tomar um cafezinho à moda brasileira, torno ao elevador para descer ao térreo onde, com meus colegas, eu combinara me encontrar. E, no meio do caminho o elevador estanca. Para. Luzes apagadas. Escuridão total. Eu sozinha dentro dele. Ouvia vozes ao longe. Murmúrios. Nem réstias de claridade. A escuridão da noite já havia chegado quando poucos minutos apenas haviam passado das dezoito horas. O tempo parecia não passar. Até que uma voz se fez ouvir mais forte e mais perto. Avisos pedindo paciência e tentando encorajar não só a mim, mas as pessoas que nos outros elevadores se encontravam. Avisos de que logo a energia elétrica seria restaurada e que o elevador voltaria a funcionar.

 

Bom, para quem vinha de Curitiba paradas de elevadores não seria uma novidade. Mas, os portenhos lá, naquela hora, estavam, de fato, muito preocupados com o que para eles seria o inusitado. Ou já se assombravam com possíveis outras mudanças políticas? Afinal, as eleições argentinas tinham acontecido em fevereiro daquele ano em plena vigência da ditadura militar…

 

E, entre as águas e a escuridão de um elevador, eu passei mais um dia na grande cidade do sul de nosso continente.

 

Basílica de Nuestra Señora de Luján

No dia seguinte fomos conhecer a Basílica de Nuestra Señora de Luján. Onde uma história de milagres nos foi contada. A história de uma imagem da Virgem Maria que estava sendo conduzida em cima de uma pequena carreta puxada por um burro. Consta que, do porto de Buenos Aires, em sentido norte seguiria. Mas, o burrico empacou. Nada que se tentasse para fazê-lo andar surtiu efeito. E foi só quando a imagem da Virgem Maria em casa de um fazendeiro entrou que o burrico tornou a andar. E assim a imagem lá permaneceu.

 

No local foi erguida então uma ermida que os séculos transformaram depois em uma imponente Basílica. Seu estilo é neogótico e em forma de cruz é a sua construção. Seus inúmeros vitrais retratam passagens bíblicas. Realmente impressionantes suas colunas exteriores e todo o seu interior.

 

E o dia ainda nos sorria quando chegamos à Republica de Los Niños. Com todos os edifícios que a compõe construídos exatamente para o tamanho de crianças de dez anos. Uma cidade, enfim, onde uma criança pode sentir-se num ambiente feito para o tamanho dela.

 

Uma cidade com governo próprio infantil. Com fórum e prefeitura. Com delegacia e igreja. Com anfiteatro e escola. E os móveis todos no adequado tamanho também. Ah! E há um trenzinho que por lá circula. Um encanto dentro do encantamento do que parece ser um conto de fadas.

 

Mas, existem, claro, territórios para o tamanho dos adultos. Como um bom restaurante, por exemplo. No qual uma excelente parrillada argentina foi a nossa festa de despedida de Buenos Aires. Provisória despedida. No dia seguinte tomaríamos o trem para San Carlos de Bariloche. Uma longa distância a se percorrer até os Andes nevados.

 

 

 

 

 

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