Leia nova coluna de Adair Dittrich
Deixei a St. Josefs Haus, em Gaissau, naquela manhã, com um aperto no coração. Porque nela eu vira o embrião de nosso Sagrado Colégio de Canoinhas. De onde partira, há quase um século, uma jovem idealista chamada Irmã Maria Carolina Goss, com um infindável acervo de sapiência e cultura em seu cérebro e um infindável cabedal de emoções em sua alma para distribuí-los aqui em nossa Santa Cruz de Canoinhas. Para onde retornara após haver cumprido com desvelo e amor a sua missão em nossa terra.
Agora eu a via, pela última vez, recostada em seu leito de enferma, a lembrar-se, com carinho e ternura, da terra que abraçou, da terra que a abraçara. E uma vez mais, na despedida, pediu que cantássemos o hino que Mimi Wendt Mayer musicou para um poema de Frei Elzeário, o hino da terra que ela tanto amara, o Hino de Canoinhas.
Pela última vez cruzamos a ponte sobre o Reno, na divisa entre a Áustria e a Suíça. Com a névoa da manhã a tudo encobrindo pouco se via dos contornos, em meio às brumas, da casa que por tantos dias nos acolhera.

Mais alguns minutos para a tudo olharmos pela última vez e no comboio rumo a Genebra embarcarmos. Aos poucos a névoa foi esmaecendo dando lugar a maravilhosos raios de sol que, primeiro, no Lago de Constança se refletiam. Depois, ao longo do caminho, em inúmeros outros pequenos e grandes lagos que se entrelaçam e se misturam entre as montanhas suíças.
Às vezes o trem passava rente a elas e podíamos nos deleitar vendo, nos relvados que as cobriam, majestosas vacas com seus novilhos a pastar. Aquele exuberante e verde relvado parecia estar sendo sempre aparado e cuidado tal a exuberante aparência que exibiam. Também rolos de dourado feno cobriam os campos. Geometricamente amontoados aguardando para aos celeiros serem recolhidos e reservados para os meses em que o verde se esconde e os campos de branco cobertos estarão. E este feno dourado será, por meses, o alimento desse gado.
O nosso comboio continuava o seu caminho, como imensa serpente, contornando lagos, contornando montanhas, atravessando abismos, atravessando túneis, transpondo pontes, transpondo viadutos, margeando cidades.

Muitas horas depois Lausanne a nossos olhos se apresenta. E desde então foram às margens do imenso Lago Léman ou Lago de Genebra que a nossa serpente de aço deslizou.
Na Gare de Genebra-Cornavin retornamos ao nosso antigo ritual do qual já nos havíamos desacostumados. Deixar as nossas malas maiores e seus carrinhos no guarda-volumes. Procurar a banca de turismo, reservar um hotel e pegar os indefectíveis mapas e roteiros da cidade.
Foi então que eu senti o abismo a minha frente. Desde a nossa chegada em Bonn, quando meu colega Alberto e sua esposa Ana foram nos receber, estávamos sempre sendo comboiadas e rodeadas de amigos. Agora estávamos, definitivamente, por nossa conta e risco uma vez mais. Precisávamos andar com nossas próprias pernas e encetarmos as aventuras sozinhas. Fácil foi a língua. Estávamos, ainda, na Suíça, sim. Mas o cantão agora era o francês. Onde eu me entrosava relativamente bem.

Olhando Genebra deu-me uma imensa vontade de por lá ficar vagando por uma semana ou mais. Cultura a esbanjar-se por todos os poros, por todas as células. Eu lera certo? Quarenta Museus de renome? Fora os particulares … e outros menos citados. E fora o que ao ar livre se via. E inúmeras salas de teatro, de ópera, de concertos para os mais variados estilos de música, palácios de arte.
Organizações internacionais têm sua sede em Genebra, como a Sede Europeia das Nações Unidas, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Organização Mundial de Saúde, entre tantas outras.
Caminhamos pela cidade para que pudéssemos absorver melhor esta cultura toda embora eu soubesse que haveria tempo para apenas olhar e admirar o exterior de tudo.

Andar no contorno do lago e deslumbrar-se com a baía onde se situa a cidade, o ponto onde o rio Ródano do lago de Genebra se despede. Sentar-se em um dos bancos de um dos jardins que o margeiam. Ficar, literalmente abobada, a olhar o interminável esguicho de água que de seu interior emerge quase atingindo o espaço sideral.
Não é uma fonte. É um jato. É um estupendo jato de água. É o “Jet d’eau” do Lago Genebra. Ficar por um indefinido tempo a olhar a profusão de arco-íris que, sob os raios do sol, dentro dele e em torno dele, continuamente se forma.
Claro foi que, ao anoitecer, de outro ângulo, em outro banco, de outro jardim florido eu fui uma vez mais apreciar o espetáculo do “Jet d’eau”. Agora com iridescentes luzes a nos dar a impressão de águas dançantes perdidas no ar entre as cores e ao som da música que os espaços ao redor envolvia.
Feliz fiquei ao lembrar-me de que tínhamos mais um dia para circular Genebra, para sentir Genebra. Cedo na manhã seguinte retomamos nossas andanças.
De uma das torres da Catedral de São Pedro, a Catedral das três naves, o indescritível panorama da cidade e do lago.

No Jardim Inglês um símbolo da mais famosa indústria de Genebra, a relojoeira: um imenso relógio em forma de flor. Formado por flores.
Impressionante o Muro dos Reformadores no Parque dos Bastiões. Estátuas erigidas em homenagem aos homens que fizeram a histórica Reforma. Entre elas a do Teólogo suíço João Calvino, considerado a personagem chave deste movimento.
Ao atravessarmos uma praça carregadinha de flores tive a impressão de que uma linda jovem ali plantada sorria aos passantes. Uma linda jovem de minissaia, cabelos ao vento, saída de um tempo que na história ficou, saída de um tempo que de minha memória não sai, saída do ano que não teve fim, saída do ano de um mil e novecentos e sessenta e oito.
Alguns passos mais e um cabeludo jovem, trajando a indefectível calça boca de sino, simbolizando a época crucial.
Eram esculturas. Impressão de ali estarem para conversar conosco. Não estátuas vivas. Mas vivas pareciam. A emoção em vê-las foi tanta que em minh’alma, em minha memória impregnadas ficaram.
Eram a estampa de uma época que a minha frente desfilava. Que em minha mente fervia.

Imagens dos protestos de estudantes em Paris e em várias cidades do mundo. Protestos contra a Guerra do Vietnã. Protestos contra as ditaduras torturantes que vicejavam em vários países do mundo, mormente em países da América Latina. Protestos que a imprensa no Brasil não pode mostrar. A Primavera de Praga que a imprensa no Brasil pode mostrar.
A tudo isto eu vi misticamente envolvendo a praça. Nas esculturas que eternizaram jovens de uma época.
Em outro recanto uma orquestra sinfônica nos brindou com inesquecíveis músicas dos grandes mestres. E foi ouvindo estes sons que um local encontramos para nos despedirmos de Genebra. No dia seguinte Chamonix e as “Aiguilles du Midi” estariam a nossa espera.