Sociólogo analisa ranking de competitividade que coloca Canoinhas à frente de Lages
Walter Marcos Knaesel Birkner*
O JMais divulgou, em 14/07, um importante ranking de competitividade, em que Canoinhas figura à frente de Lages. É o resultado estatístico de um índice de competitividade regional – ICR, divulgado pela Secretaria da Fazenda de SC, composto por dez fatores e 66 itens. Está no “Caderno de Indicadores de Santa Catarina e suas regiões – 2016” e os itens se baseiam em critérios do urticante Fórum Econômico Mundial. Apesar de Canoinhas estar à frente de Lages, é preciso cair na real e não se iludir com o mito do berço esplêndido. Competitividade é um fenômeno cultural complexo que requer sinergia, capital social e humano. São esses fatores que, no longo tempo, realmente definem quais são as cidades e regiões competitivas.
O ranking se refere à competitividade das 36 regiões administrativas que sediam as atuais ADR do processo de descentralização catarinense. Portanto, a primeira consideração a fazer é que a comparação não é entre as cidades, mas microrregiões. Nesse sentido, é possível admitir que a microrregião de Canoinhas apresenta maior equilíbrio que outras. Está exatamente no meio da tabela, em 18º lugar. Tem uma agricultura de importância para a economia estadual e a presença do agricultor é quase sempre algum sinal de desenvolvimento econômico. A microrregião de Lages, por sua vez, é muito menos expressiva na agricultura. Os municípios ao redor de Lages tem crônicos baixos índices de desenvolvimento e puxam pra baixo. Mas, ao criar o Centro de Inovação Tecnológica, Lages deu uma demonstração de vontade competitiva.
Inspirado no “Índice de Desenvolvimento Alemão”, o “Caderno de Indicadores…” sugere que competitividade teria a ver com a capacidade regional de gerar crescimento, riqueza e o máximo de bem estar através da interação entre agentes como governo, empresas, universidades, trabalhadores e outros agentes qualificados cognitivamente. Por extensão, sugere que competitividade regional ou municipal tenha a ver com a “capacidade de atrair investimentos” e, sobretudo, de “reter capital humano”. Isso é quase tautológico, pois atrair investimentos sem reter capital humano é como vender a terra para o plantio de pinus. É bom pra quem vende, mas não gera competitividade.
Ora, essa definição de competitividade se entrecruza facilmente com o entendimento sobre o significado de desenvolvimento local, regional ou territorial. Esse, por sua vez, tem uma relação muito convergente com a noção de capital social, conhecida por intelectuais, acadêmicos e tecno-burocratas governamentais. Dizer que muitos de nossos políticos conhecem tais definições seria um exagero. Quem deles tem o hábito de ler, como tem o Deputado Amin e como tinha o Senador Luiz Henrique? Não obstante, é necessário insistir. Desenvolvimento e competitividade regional tem uma relação invariável com a sinergia regional, isto é, com o capital social, traduzido na capacidade de cooperação, diálogo, interação, espírito público, incluindo universidade forte e esforço contínuo de retenção do capital humano.
Nessa direção, sejamos francos. O que Canoinhas tem feito nesse sentido? Existe sinergia para brigar pelos interesses da Cidade? Há uma universidade forte e preocupação em reter capital humano? A matéria do JMais é instigante porque anuncia Canoinhas à frente de Lages que, segundo a mesma matéria, acaba de inaugurar o primeiro dos 13 Centros de Inovação Tecnológica de Santa Catarina. Resultado do quê? Da sinergia entre governos estadual e municipais, iniciativa privada e universidades regionalmente comprometidas. Nessa direção, se Canoinhas fosse mais competitiva do que Lages, a reportagem do JMais estaria, no mínimo, anunciando que Canoinhas será uma dessas treze cidades. Por extensão, sua Agência de Desenvolvimento Regional – ADR, recriada justamente pra atrair investimentos, além das elites política e econômica, seriam protagonistas nessa demonstração de superação da mentalidade extrativista. Onde estão esses sinais de competitividade?
Sem exagero: em termos de desenvolvimento regional, é possível comparar essa iniciativa sinérgica dos Centros de Inovação Tecnológica ao surgimento das coincidentes 13 universidades comunitárias regionais de Santa Catarina. Assim como praticamente todas essas instituições comunitárias nos últimos 50 anos, esses treze centros de inovação representarão o mais importante movimento de descentralização cognitiva ao modelo catarinense de desenvolvimento da primeira metade do século XXI. Se o falecido ex-governador Luiz Henrique será lembrado pela inovação política da descentralização (ideia brilhante de futuro incerto), o atual governador Raimundo Colombo quer deixar sua marca através do apoio à descentralização da inovação. Esses centros tecnológicos serão, no século corrente, a resposta ao desafio catarinense de aumentar a intensidade tecnológica da sua economia e ser o estado mais desenvolvido do País. Alguém duvida que essas treze cidades serão as mais competitivas?
Lembro ter lido, no Diário Catarinense, em 2014, sobre o plano do governo estadual, em diálogo com a FIESC e com algumas universidades regionais, de instalar esses centros, então denominados Núcleos de Inovação Tecnológica. Lembro das cidades que se anunciavam e lamentava a ausência de Canoinhas, Porto União e Mafra. Lembro também da menção feita a este assunto, na reunião do Plano Plurianual da então SDR-Canoinhas (atual ADR), no primeiro semestre de 2015 no anfiteatro do IFSC, e da sugestão de incluir esta demanda no documento final. Nenhuma “liderança” presente sabia do que se tratava. Ora, qualquer órgão ou agência de desenvolvimento, assim como qualquer universidade regional, deveriam estar protagonizando incansavelmente uma discussão dessas. No entanto, nada. Pois, que competitividade é essa?
A preguiçosa sensação do berço esplêndido dos acostumados à fartura dos recursos naturais nada mais é do que a doença do extrativismo, a verdadeira maldição do desenvolvimento que contamina elites e subordinados. E tudo se continua a esperar, passivamente, de Deus, de algum coronel ou deputado, de quem se beija a mão e se lambem as botas. Enquanto isso, lideranças comunitárias de treze cidades regionais catarinenses materializam seus sonhos de ambição e grandeza. Usufruem, como ensina a mais tradicional e ao mesmo tempo moderna interpretação cristã ocidental, do maior presente divino: o livre arbítrio que dispensa a sorte, a submissão e a dependência, e através do qual homens e mulheres, sem culpa medo ou preguiça, se tornam competitivos e promovem o desenvolvimento.
Com o esforço sinérgico da AMPLANORTE, da EPAGRI, do IFSC, e de uma iniciativa privada instigada, ainda se pode levantar o debate. E por que não a ADR, com tantas gerências e técnicos, pagos com o dinheiro público justamente para cumprir, literalmente, o papel de “agência de desenvolvimento regional”!? Por que, com tal “missão”, logística e recursos públicos, ela não encampa essa luta? Portanto, incluindo os crédulos que ainda esperam a grande mão do Estado, a todos afirmo: competitividade exige sinergia, capital social e humano, ambição, coragem e desprendimento dos interesses ocultos. Por consequência disso, lideranças políticas devem submeter-se ao interesse comunitário, jamais o contrário. Silêncio, subserviência e conformismo não são política; são sua ausência. E sem política não há desenvolvimento.
Seria um instrutivo tema de debate eleitoral, provocado pela própria Comunidade. Também seria um excelente tema de debate universitário, político, comunitário e regional. Instigaria inclusive os bem intencionados e os inexperientes a compreender que, desgraçadamente, a mentalidade extrativista é o maior de nossos obstáculos a transpor. Não nos traz competitividade, nem inovação, chaves do desenvolvimento. Ao contrário, nos faz dormir no “berço esplêndido” da ignorância e da dependência, confundindo desenvolvimento com a transferência de migalhas em troca de votos, lealdade tola e obediência cega. Não existe almoço, nem governo grátis. Assim, faça-se logo o debate público sobre a competitividade e a inovação, ainda que seja pra enterra-lo em seguida. Ao menos, ficarão claras as razões pelas quais Canoinhas não quer ser uma das cidades mais competitivas do estado nos próximos 50 anos de repulsão e fuga de capital humano.
Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo